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dos, e lá continua o abrazamento implacavel. Amordaçado por uma chuva repentina, alapa-se numa «piúcã», quieto e invisivel, para, no dia seguinte, ao esquentar do sol, proseguir na faina carbonisante.

Quem foi o incendiario? Donde partiu o fogo?

Indaga-se, descobre-se o Nero: é um urumbeva qualquer, de barba rala, amoitado n'um litro de terra litigiosa.

E agora? Que fazer? Processal-o? Não ha recurso legal contra elle. A pena, unica possivel, barata, facil e já estabelecida como praxe, é «tocal-o».

Curioso este preceito: «ao caboclo, toca-se».

Toca-se, como se toca um cachorro importuno, ou uma gallinha que vareja pela sala.

E tão affeito anda elle a isso que é commum ouvil-o dizer: se eu fizer tal coisa o senhor não me toca?

Justiça summaría que não pune, entretanto, dado o nomadismo do paciente.

Emquanto a matta arde, o «sarcopte» regala-se.

— Eh! fogo bonito!

No vazio de sua vida semi-selvagem, em que os incidentes são um jacú abatido, uma paca fisgada n'agua e o filho novimensal, a queimada é o grande espectaculo do anno, supremo regalo dos olhos e dos ouvidos.

Entrado Setembro, o caboclo planta na terra em cinzas um boccado de milho, feijão e arroz; mas o valor da sua producção annual é nenhum diante dos males que para preparar uma quarta de chão ele semeou.

O caboclo é uma quantidade negativa. Tala cincoenta alqueires de terra para extrair deles o com que passar fome e frio durante o ano. Calcula as sementeiras pelo