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Comparava-se a si proprio, mentalmente, a um palhaço de circo, velho e achacoso, a quem a miseria obriga a transformar rheumatismo em caretas hilares, como as quer o publico pagante.

Deu de fugir dos homens, e gastou bons mezes no estudo da transição necessaria ao conseguimento de um emprego honesto para a sua actividade. Pensou no commercio, na industria, na feitoria d'uma fazenda, na montagem d'um botequim, que tudo lhe era preferivel á paspalhice comica de até então.

Um dia, bem maturados os planos, resolveu mudar de vida. Foi a um negociante amigo e sinceramente lle expoz os propositos regeneradores, pedindo por fim um lugar na casa, de varredor que fosse. Mal acabou a exposição o gallego e a caixeirada em peso, que espiava de longe à espera do desfecho, torceram-se em estrondoso gargalhar como sob cocegas.

— Esta é boa! E' de primeirissima! Quá! quá! quá! Com que então... quá! quả! quá! Você me arruina os figados, homem! Se é pela continha dos cigarros, vá socegado, que me dou por pago, e bem pago! Quá! quá! quá! Este Pontes tem cada uma... Ouvin, José, a boa piada? quá! quá! quá!

E a caixeirada, os freguezes, os sapos de balcão e até gente que, de passagem na rua parou na calçada para "aproveitar" o lance, desboccaram-se em "quás" de matraca até doerem os diaphragmas.

O miserando, atarantado, e seriissimo, tentou desfazer o equivoco.

— Falo serio, e o senhor não tem direito de rir-se. Pelo amor de Deus, não zombe de um infeliz que pede trabalho e não gargalhadas.