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deixando uma vida onde os fados lhe conchegaram tão fofo ninho, e lá engambelava a doença com um regimen ultra-methodico. Se o mataria um esforço violento, socegassem, não faria tal esforço.

Ora Pontes, já meio dono daquella sinecura, impacientava-se com o equilíbrio desequilibrador dos seus calculos .Como desempeçar o caminho d'aquella travanca? Leu no Chernoviz o capitulo dos aneurismas, decorou-o; andou em indagações de tudo quanto se dizia ou se escreveu a respeito; chegou a entender da materia mais que o Dr. Iodureto, medico da terra, o qual, seja dito aqui á puridado, não entendia de coisa nenhuma desta vida.

O pomo da sciencia, assim comido, induziu-o á tentação de matar o homem, forçando-o a estourar. Um esforço o mataria? Pois bem, Souza Pontes o levaria a esse esforço.

— A gargalhada é um esforço, philosophava satanicamente de si para si, a gargalhada, portanto, mata. Ora, eu sei fazer rir...

Longos dias passou alheio ao mundo, em dialogo mental com a serpente.

— Crime? Não! Em que codigo fazer rir é crime? Se morresse disso o homem, culpa era da sua má aorta.

A cabeça do maroto virou picadeiro de lucta onde o "plano" se bateu em duello contra todas as objecções mandadas ao encontro pela consciencia. Servia de juiz da contenda a sua ambição amarga, e sabe elle quantas vezes tal juiz prevaricou, levado de escandalosa parcialidade por um dos contendores.

Como era de prever, venceu a serpente e Pontes resurgiu para o mundo um tanto mais magro, de olheiras cavadas, porém com um brilho estranho de resolução victoriesa nos olhos. Tambem notaria nelle o nervoso dos