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Certa vez, i'indo o carnaval, o major reuniu os amigos em torno d'uma enorme piabanha recheiada, presente do escrivão.

O entrudo desmazorrára a alma dos commensaes, e a do amphitrião, que estava naquelle dia contente de si e do mundo, como se houvera enxergado o passarinho verde.

O cheiro vindo da cosinha, valendo por todos os aperitivos de garrafaria, punha nas caras um enternecimento estomacal.

Quando o peixe entrou scintillaram os olhos do major. Pescado fino era com elle, inda mais cozido pela Gertrudes. E naquelle brodio primára a Gertrudes n'um tempero que excedia ás raias da culinaria e se guindava ao mais puro lyrismo. Que peixe! Vatel o assignaria com a penna da impotencia molhada na tinta da inveja, disse o escrivão, sujeito lido em Brillat-Savarin e outros praxistas do paladar.

Entre goles de rica vinhaça era o peixe introduzido nos estomagos com religiosa uncção. Ninguem se atrevia a quebrar o silencio da bromatologica beatitude.

Pontes presentiu opportuno o momento da cartada. Trazia engatilhado um caso de inglez, sua mulher e dois frades barbadinhos, anecdota que elaborára á custa da melhor materia cinzenta do seu cerebro, aperfeiçoando-a constantemente em longas noites de insomnia. Já de dias a tinha de tocaia, aguardando sempre um momento em que tudo concorresse para obter della o effeito maximo.

Era a derradeira esperança do facinora, seu ultimo cartucho. Negasse fogo e, estava resolvido, mettia uma bala nos miolos Reconhecia impossivel manipular torpedo mais engenhoso. Se o aneurisma lhe resiste ao embate, então é que o aneurisma era uma potoca, a aorta uma ficção, o Chernoviz um palavrorio, a