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ah! Brincadeira. A gente cá na roça quando não tem serviço com qualquer coisa se diverte. Vinha passando um bando de maritacas. Eu disse atoa: são mais de dez! Pingo negou: não chega lá! Apostamos. Eram nove. Ella ganhou o doce. Doce da roça mel é. Esta songuinha só vendo, não é o que parece, não!

A loquela do Alvorada não desmedrára com o atrazo da vida. Em se lhe dando corda, revivia o tagarella da cidade.

Expuz-lhe o meu negocio. O homem refranziu a testa e reflexionou um bocado, de queixo preso. Depois:

— Eu hoje, franqueza, não valho mais nada. Des que cahi daquella peste de mundeu da ponte preta, fiquei assim como quebrado por dentro. Não escóro serviço, e para lidar com camaradas no eito não basta ter bocca. Sem puxar a enxada de par com elles, a coisa não vae. Lembra-se da empreitada do anno retrazado? Pois sahi perdendo. O tranca do Mina me quebrou um machado e furtou uma foice Com esses prejuizos não livrei o jornal. Desde então fiz cruz em serviço alheio. Se inda teimo neste sapeseiro é por via da menina; senão largava tudo e ia viver no matto como bicho. E' o Pingo que inda me dá um pouco de coragem... — continuou com ternura.

A velhinha sentára-se á luz da janella, e abrindo uma caixeta puzera-se a coser, de oculos no nariz.

Approximei-me, admirativo:

— Sim, senhora! Com setenta annos!

Sorriu-se, lisonjeada.

— E' para ver. E isto aqui tem coisa! E' uma colcha de retalhos que venho cosendo ha quatorze annos, des'que Pingo nasceu. Dos vestidinhos della vou guardando nesta caixa