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cada isca que sobeja e um dia as coso. Veja que galantaria de serviço.

E estendeu-me ante os olhos um panno variegado, de quadradinhos maiores e menores, todos de chita, cada qual de um padrão.

— Esta colcha é o meu presente de noivado. O ultimo retalho hade ser do vestido de casamento, não é Pingo?

Pingo d'Agua não respondeu. Mettida na cosinha, percebi-a a espiar-me pela fresta da porta.

Mais dois dedos de prosa, um cafésinho ralo — escolha com rapadura — e,

— Bom, rematei levantando-me do mocho de tres pernas, como não pode ser, paciencia. Apezar disso acho que deve pensar um bocado. Olhe que este anno se estão pagando os roçados a oitenta mil réis. Dá para ganhar, não?

— Que dá eu sei que dá, mas tambem sei para quem dá. Um perrengue como eu não pensa mais nisso, não. Quando era gente, muitas peguei a sessenta, e não me arrependi. Mas hoje...

— Nesse caso...


* * *


Transcorreram dois annos sem que eu tornasse aos Periquitos. Nesse intervallo Dona Anna falleceu. Era fatal a dor que respondia na cacunda. E me não mais aflorava á tona da memoria a imagem daquelles humildes urupês, quando chegou aos meus ouvidos o zum-zum corrente no bairro, uma coisa apenas crivel: o filho de um sitiante visinho, rapaz de todo pancada, furtára o Pingo d'Água aos Periquitos.

— Como isso? Uma menina tão acanhada!...