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Entrei para a saleta vasia.

— Tem coragem de estar aqui sósinha?

— Eu? Sosinha estou em toda a parte... Morreu-me tudo, a filha, a neta... Sente-se, disse, apontando para o mocho de dois annos atraz.

Sentei-me com um nó na garganta. Não sabia que dizer. Por fim:

— O que é a vida, nha Jasquina! Parece que foi hontem que estive aqui. Apezar das doenças, iam vivendo felizes. Hoje...

A Velha limpou no canhão da manga uma lagrima.

— Viver 72 annos para acabar assim... Felizmente a morte não tarda. Já a sinto cá dentro.

Confragia-se-me o coração n'aquelle ermo onde tudo era passado, a terra, as laranjeiras, a casa, as vidas, salvo, tremulo espectro sobrevivente como a alma da tapera, a triste velhinha encanecida cujos olhos poucas lagrimas estilavam, tantas chorára.

— Que mais agora? murmurou pausadamente em voz de quem já não é deste mundo. Até á "desgraça" eu não queria morrer. Velha e inutil inda gostava da vida. Morreu-me a filha, mas restava a neta que é duas vezes filha e era o meu consolo. Desencaminharam a pobresinha... Agora, que mais? Só peço a Deus que me tire logo e logo...

Relanceei o olhar pela sala vazia. A caixeta de costura ainda estava sobre a arca, no lugar de sempre. Meus olhos pousaram nella, marasmados.

A velha adivinhou-me o pensamento e, erguendo-se, pegou da caixa com mãos tremulas.

Abriu-a. Tirou de dentro a colcha inacaba-