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— E este? perguntei, apontando um retalho amarello, para avival-a.

Pausou um bocado a trise avó, em contemplação. Depois:

— Este é novo. Já tinha 15 annos quando o vestiu pela primeira vez n'um mutirão do Labrego. Não gosto delle. Parece-me que a desgraça começa aqui. Ficou um vestido muito assentadinho no corpo e galante, mas, pelas minhas contas, foi o culpado do Labreguinho engraçar-se da coitada. Hoje sei disso. Naquelle tempo nada suspeitava...

— Este, disse-lhe eu, fingindo recordar-me é o que ellla vestia quando cá estive.

— E' engano seu. Era, quer ver qual? era este de pintas vermelhas, repare bem.

— E' verdade, é verdade, menti, agora me lembro, era isso mesmo. E este derradeiro?

Após uma pausa dorida, a pobre creatura sacudiu a cabeça, e balbuciou:

— Este é o da desgraça. Foi o ultimo que lhe fiz. Com elle fugiu... e me matou.

Calou-se, a lacrimejar, tremula.

Calei-me tambem, oppresso d'um infinito apertão d'alma.

Que quadro immensamente triste aquelle fim de vida machucado pela mocidade louca!...

E ficamos, ambos, assim immoveis, de olhos pregados na colcha. Ella, por fim, quebrou o silencio:

— Era o meu presente de noivado. Deus não quiz. Será agora a minha mortalha. Já pedi que me enterrassem com ella...

E guardou-a dobradinha na caixa, envolta n'um suspiro.