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— Bééé! urrou Nunes estomagado, cala essa bocca! Mulher não entende das coisas!

E ella, nas encolhas:

— 'sta bom. Depois não se queixe...

— Bééé! rematou o marido.

Esta troada era o argumento decisivo de Nunes nas relações familiares.

Em roncando o “bééé", mulher, filhas, Pernambi, Brinquinho, todos se escoavam em silencio. Sabiam, por dolorosa experiencia pessoal, que o ponto acima era o porretinho de sapuva. E preferiam ficar no ponto abaixo.

Se a mulher emmundecia, emmudecia com ella a razão, porque o Teixeirinha Maneta era um carapina ruim inteirado, que vivia de biscates e remendos. Só a um bebedo como o Nunes bacorejaria a idéa de metter a monjoleiro um taramela daquelles, maneta e, inda por cima, cego d'uma vista. Mas era compadre e acabou-se. Bééé!


Mais uma semana passou Nunes em trabalhos de 'maginação. Coçava lentamente a cabeça, pitava enormes cigarrões, absorto, o olho no milharal e o sentido em coisas futuras. Decidiu-se, por fim. Rumou á Ponta Alta e trouxe de lá o velho com a ferramenta.

Só restava solver o problema da madeira. Nas suas terras não havia senão pau de foice. Pau de machado, e capaz de monjolo, só a peroba da divisa, velha arvore morta que servia de marco entre os dois sitios, tacitamente respeitada de lá e de cá. Nunes viu nella o sonhado despique. Deital-a-ia por terra sem dar contas ao outro lado, como lhe fizeram á paca. Boa peça! E gozava-se da picuinha, planeando derrubal-a de noite, a modo que, pela madrugada, quando os Porungas dessem pela coisa, nem S. Antonio remediaria o mal.