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homem feito, guiado e dirigido pelas religiões, codigos, moraes, modas e mais postiços de sua invenção, e entra em scena a natureza bruta.

— "A proposito de que tanta filosofia, com este calor de Janeiro?...

O comboio corria entre S. João e Quiririm. Região arrozeira em plena faina do córte. Os campos em séga tinham o aspecto de cabellos louros tosados á escovinha. Pura paizagem europea, de trigaes. A espaços feriam nossos olhos quadros de Millet, em fuga lenta, se longe, rapida, se perto. Vultos de mulheres de cesta á cabeça, que paravam a ver passar o trem. Vultos de homens amontoando feixes de espigas, para a malhação do dia seguinte. Carroções, tirados a bois, recolhendo o cereal ensaccado. E como cahia a tarde, e a Mantiqueira era já uma pincelada opaca de indigo a barrar a imprimadura evanescente do azul, vimos, em certo trecho, o original do "Angelus"...

— "Já te digo a proposito de quê vem minha filosofia.

E enfiando os olhos pela janella, calou-se. Houve uma pausa de minutos. Subito, apontando um velho saguaragi, avultado á margem da linha e logo sumido para traz, disse:

— "A proposito desta arvore. Ella foi comparsa no "meu conto de Maupassant".

— "Conta lá, se é curto.

O primeiro sujeito não se ageitou no banco, nem limpou o pigarro, como é de estylo. Sem transição, foi logo narrando:

— "Havia um italiano morador destas bandas, com vendola na estrada. Typo mal encarado e ruim. Bebia, jogava, e por varias vezes andou ás voltas com as autoridades. Certo dia — eu era delegado de policia — vieram