Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CLVIII
Já vimos que os homens, quando vêm ao mundo, já trazem um sinal de distinção, e diferença, e que esta os faz distinguir, e conhecer. Daqui parece que resulta uma indução forte a favor da Nobreza originária; mas que argumento débil é aquele que se tira de uma distinção visível, constante, e material, para outra que é somente imaginária; de uma que se faz naturalmente para outra que civilmente se fabrica; de uma que é da instituição do mundo, para outra que é da instituição dos homens; de uma que é totalmente independente, para outra que é arbitrária; de uma que tem por princípio a mesma Providência, para outra que procede da fortuna; e finalmente de uma que é fundada em regras infalíveis, para outra que somente é fundada em vaidade? Nesta parte a razão tirada da semelhança não convence. Com um só carácter se podem formar letras infinitas, todas iguais, e semelhantes, mas nem por isso as letras têm nada do carácter impressor. Este imprime, mas não se comunica; dá a semelhança, a sua substância não; o metal de que é composto, não dá de si mais do que a figura. Muitas estampas vêm de um mesmo molde; todas são iguais, e parecidas, mas nenhuma tem do molde mais do que o contorno. A sombra vem de um corpo que tem oposta a luz, de sorte que não há sombra donde não há luz, e corpo; mas nem por isso a sombra recebe em si propriedade alguma, nem do corpo, nem da luz. O produzir uma cousa, não é o mesmo que reproduzir-se.