Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CLXII
Um dos abusos, que o tempo, e a vaidade introduziu, foi a Nobreza; esta porém sendo tomada nos termos da sua primeira infância, ou na ideia com que foi criada, é verdadeira, e útil; e nestes mesmos termos ninguém lhe pode disputar, nem a utilidade, nem a verdade da existência. Por Nobre, entendiam os antigos um Herói, isto é, um homem distinto dos mais homens, e distinto por si, e não por outros; pelas suas próprias acções, e não pelas acções alheias. O Heroísmo, e a Nobreza eram qualidades pessoais, e não hereditárias; uma, e outra dependiam de acções heróicas, e em ambas era necessário o requisito do poder; se este cessava, extinguia-se a Nobreza. Deste modo é, que antigamente haviam Nobres, porque em todo o tempo houveram poderosos; estes ficavam distintos por grandeza, e não por natureza; passava a Nobreza de uns a outros, quando o poder também passava; de uma, e outra cousa se formava uma herança indivisível. Acabada a Nobreza por falta do luzimento, se este depois tornava, não fazia ressuscitar a Nobreza já perdida; compunha-se outra nova, e esta não era de menos entidade, ou menos Nobre que a primeira. O tempo não é o que enobrece. Os séculos que envelhecem tudo, só a Nobreza não haviam de fazer caduca? Os anos tudo diminuem, e só a Nobreza haviam de fazer maior? Uma flor moderna não tem menos graça do que uma flor antiga. A verdura com que a Primavera se reveste, já no Outono fica prostrada, e macilenta. As Estrelas começaram com o mundo, e nem por isso brilham mais; aquilo que depende de mais, ou menos tempo é frágil. A vaidade até se quer aproveitar das horas, e dos dias, que passaram. Por aquele modo de entender, cresce a vaidade, a Nobreza não. Que pouco cuidam os homens em que há uma eternidade, e que a duração do mundo, não é mais do que um instante!