Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CVII
A vaidade, ou a soberba de uma mulher fermosa, é quási insuportável; ainda o amor mais fino se revolta, porque o amor ainda que jure escravidões, nem por isso consente nelas; e quando é bem entendido, não costuma ser vil, reverente sim; a submissão por degenerar em baixeza não faz ao amor menos inconstante; a firmeza não se fez para obstinação. Não é suave o jugo da beleza; apenas se lhe pode sustentar o peso; a arrogância, que a acompanha sempre, exige condições tão fortes, que o mesmo afecto, que por força as aceita no princípio, depois as desvanece; porque o amor se busca a fermosura, também foge da aspereza; um génio severo, e duro, não pode inspirar constância, retiro sim: por mais que estejam preocupados os sentidos, nem por isso estão sempre dispostos para sofrer; e com efeito o amor fez-se para delícia, e não para castigo; fez-se para alívio, e não para tormento; para gosto, e não para martírio. Não há encanto que não possa desfazer-se; por mais fortes que sejam os laços com que o amor nos prende, muitas vezes um discurso os rompe; um pensamento os desfaz; uma reflexão os desata; e pela maior parte esse discurso de que nasce a inconstância, procede da aspereza, da vaidade, e da condição da fermosura.