Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/LIV
A maior parte das acções dos homens consiste no modo delas; o modo com que se propõe, com que se diz, com que se fala, com que se ouve, com que se olha, com que se vê, com que se anda, e enfim todos os mais modos, que são inseparáveis de qualquer acção, nos dão a conhecer o que devemos pensar delas: quási sempre o modo, ou nos obriga, ou nos ofende, e ordinariamente o modo das cousas nos ocupa mais do que as cousas mesmas. Umas vezes nos engana o modo, porém também outras o mesmo modo nos desengana: a imaginação verdadeira, falsa, ou vaidosa, é a que produz os diferentes modos, que vemos uns nos outros. Os Soberanos têm um certo modo de olhar, de ver, de ouvir, de andar, de preguntar, e de responder, que só neles é natural; a vaidade dos Grandes lhes faz afectar o mesmo modo, que vêem nos Soberanos; os mais homens tomam o mesmo modo, que vêem nos Grandes, e cada um se irrita de ver um modo impróprio, e sente como um desprezo o achar um modo, que não convém a quem usa dele; o que diversifica os modos é a alegria, a tristeza, o amor, o ódio, o desejo, ou a indiferença, e mais que tudo a vaidade.