40 anos no interior do Brasil/Perigosa viagem de trem

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Perigosa viagem de trem


Você conhece o balanço russo? Eu nunca estive na Rússia e nunca vi tal coisa aqui na Alemanha; mas deduzo, de acordo com a ilustração, que se desça com algum veículo uma planície inclinada e então por um pequeno trajeto plano, para subir novamente o morro com o impulso acumulado, até a força se esgotar.

No Brasil, utilizávamos esses balanços russos na construção da estrada de ferro com grande frequência e demos lhe o nome análogo “balanço russo”. Do ponto de vista técnico estes tipos de peças no traçado de uma ferrovia são um grande erro. Ao invés de deixarmos que um trem suba muito, para inutilmente fazê-lo descer uma longa distância e depois subir novamente, dever-se-ia, pela lógica, tentar fazer um desvio dessa primeira elevação. Dessa forma, teria sido atingindo um percentual de elevação menor e não se teriam descidas perdidas.

Mas quem se interessa por essas belas questões teóricas! O lema era avante, em todo o caso, tão rápido quanto possível! Todo o resto era mais ou menos irrelevante. Assim que a estrada for liberada para o tráfego, as consequências desse traçado negligente aparecerão e os construtores da ferrovia serão bastante xingados. Mas quando o desenho da ferrovia havia terminado e a construção estava em andamento - puxa, que divertidos eram a vida e o trabalho! Primeiro as obras do aterro ficaram prontas, depois foram postos os trilhos e o trens auxiliares traziam sempre novos materiais, do tipo trilhos e dormentes.

Quando era um jovem mestre de obras, encontrei-me na locomotiva de um desses trens; nós trazíamos cinco vagões carregados com trilhos pelo campo acidentado. Era uma viagem agradável. O sol estava brilhando maravilhosamente sobre nosso caminho, o céu mostrava um belo azul, e a velha locomotiva sacolejante (tipo Mogul), não parecia tão suja como de costume na claridade do sol. O condutor era o nosso velho Chico Paraguai. Na verdade ele tinha outro nome, mas por ser paraguaio, recebeu esse apelido. Ele era pequeno, forte e tinha uma pele com uma bela cor de chocolate. Além disso, era um dos nossos melhores condutores e sabia ajudar nas situações mais difíceis.

Ele sorriu amigavelmente para mim e disse: “Senhor Roberto, quero lhe mostrar uma coisa agora, como se economiza carvão para a empresa. Nós logo chegaremos ao balanço russo do Rio das Mortes e lá o senhor deverá verificar! O senhor verá que desceremos toda a primeira queda sem freios e então como o vento nos levará ao outro lado da subida sem que eu precise usar uma única vez o vapor; somente com o impulso nós subiremos novamente”. - “Chico”, eu disse, “Você só esqueceu duas coisas: primeiro, que é proibido descer sem utilizar os freios, e segundo, que depois da segunda subida há uma descida forte depois do Rio das Mortes! E se chegarmos ao topo com mais impulso do que pensamos, então não conseguiremos fazer o velho e fraco trem parar e cairemos no Rio das Mortes, se não descarrilarmos antes”.

“Mas senhor Roberto, eu bem conheço minha máquina!”, retrucou o condutor e bateu com carinho na parede da caldeira. Eu acreditava ter feito minha obrigação, quando o avisei, e, além disso, mesmo estava um pouco curioso para saber como se sairia a viagem.

Nos aproximávamos da primeira descida. Chico me olhou malicioso, e logo que sentimos que íamos morro abaixo, ouviu-se o curto apito da locomotiva, o sinal: “soltar freios!” Os dois guarda-freios, que acionam os freios do trem com suas manivelas, olharam para cima surpresos, mas mesmo assim soltaram os freios. O trem tomava cada vez mais velocidade e nós íamos tão rápido que os trilhos faziam um barulho quando os vagões passavam; em menos de um minuto também já tínhamos passado para o outro lado da subida. “Viva!” Exclamaram os guarda-freios, e Chico gritou vitorioso para mim: “Bom, não?” “Freie, freie!” Sussurrei, mais do que gritei; pois eu tinha a sensação de que a velocidade que nós estávamos era muito grande.

“Tranquilo!“ Acalmou Chico. Ele colocou, completamente sossegado, a alavanca de comando para frente e puxou a do freio, uma duas, três vezes, mas não funcionou. Deu o estridente sinal duplo para os guarda-freios, mas estes já tinham começado a puxar os freios. Visto que eles não estavam sendo apoiados pela locomotiva e em dois eram muito fracos para controlar cinco vagões naquela velocidade, então a freada foi quase imperceptível. Finalmente funcionaram também os freios da locomotiva.

“É que a água condensou no cilindro do freio a vapor“, disse Chico, aparentemente tranquilo; mas parecia pálido de medo, pois a rapidez aumentava a cada instante. É coisa sabida que freios puxados de leve esquentam demais, ficando até incandescentes quando as rodas giram muito rápido e então não desempenham sua função. Chico mexeu na alavanca de controle, colocou-a em ponto morto e até levantou um pouco as barras radiais, colocando em marcha a ré. Seu rosto estava desfigurado, o maxilar bem pra frente, o olhar febril dirigido à alavanca. A velocidade crescia mais e mais. Os trilhos que carregávamos faziam barulhos como se tivessem vida. Nós ouvimos o ranger abafado dos freios; nosso fogueiro, com o rosto coberto, dedicou-se ao tênder[1] entre o carvão; eu, no meu desespero, puxei o mísero freio de mão do tênder, tão forte quanto pude, embora soubesse que fosse em vão. As valas passavam zunindo, mal passamos por uma já estávamos na próxima. Lá está a ponte sobre o Rio das Mortes! E voamos sobre ela na forte curva à esquerda. “E se descarrilar-mos agora“, pensei e imagino o pior, “então a terrível carga criará vida! E se o trem parar, ela saltará, os trilhos vão voar pelo ar, vão cair sobre nós, vão nos esmagar!“

Um som oco me fez olhar para cima. Estávamos sobre a ponte do Rio das Mortes, passamos no limite e a segunda ponte, que passa sobre o Rio dos Papageios, estava próxima. O terreno é plano, e à esquerda dá pra ver um banhado. Eu olhei pra cima. Três urubus voavam em círculos. Eles são os arautos da morte? Quando virão nos buscar?

Sobre a segunda ponte fomos como um raio, e a deixamos para trás. Agora vem a curva para a esquerda. Eu olhava e olhava. Será que daremos contra as rochas das valas?

Então olhei para o maquinista. Mecanicamente ele colocou a alavanca de direção em subida, e veja só, a velocidade está diminuindo! Fomos ainda dois quilômetros morro acima sem vapor, e depois o trem parou - estávamos salvos. Nos olhamos aliviados. Eu queria dizer algo sublime, mas não encontrei as palavras e só olhei para o Chico. Este limpou o suor da testa; sorriu marotamente e disse: “eu o saúdo, senhor Roberto! Hoje nós nascemos de novo, pois na verdade já estávamos mortos!”

 

  1. Vagão do carvão e da água. (NdT)

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