A minha terra

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No album do meu amigo João d’Aboim.


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Recevez donc mon hymne, ó mon pays natal,
Et offrez-le de bon cœur à qui sut bien chanter
La riante nature du beau Portugal.

(Do author.)


Minha terra não tem os cristaes
Dessas fontes do só Portugal,
Minha terra não tem salgueiraes,
Só tem ondas de branco areal.

Em seus campos não brota o jasmim,
Não matisa de flôres seus prados,
Não tem rosas de fino carmim,
Só tem montes de barro escarpados.

Não tem meigo trinar — mavioso
Do fagueiro, gentil rouxinol,
Tem o canto suave, saudoso
Da Benguella no seu arrebol,

Primavera não tem tão brilhante
Como a Europa nos sóe infiltrar,
Não tem brisa lasciva, incessante,
Só tem raios de sol a queimar.

Não tem fructos por Deos offertados,
Qual mimoso torrão portuguez,
Não tem rios por Bardos cantados,
Qual Mondego, nos factos d’Ignez.

Não tem feitos de gloria qu’ao mundo
Orgulhosa se possa ufanar,
Não tem fado, destino jucundo,
E se o tem, quem o ha d’anhelar? —

Tem palmeiras de sombra copada
Onde o Sóba de tribu selvagem,
Em c’ravana de gente cançada,
Adormece sequioso d’aragem.

Impinado alcantil dos desertos
Lá se aninha sedento Leão
Em covis d’espinhaes entr’abertos,
Onde altivo repousa no chão.

Nesses montes percorre afanoso,
A zagaia com força vibrando,
O Africano guerreiro e famoso
A seus pés a panthéra prostrando.

Não tem Virgens com faces de neve
Por quem lanças enriste Donzel,
Tem donzellas de planta mui breve,
Mui airosas, de peito fiel.

Seu amor é qual fonte de prata
Onde mira quem nella s’espelha
A doçura da pomba qu’exalta,
A altivez, que a da féra simelha.

Suas galas não são affectadas,
Coração todo amor lhe palpita,
Suas juras não são refalsadas,
No perjurio a vingança crepita.

Sabe amar! — Mas não tem a cultura
Desses labios de mago florir;
Em seu rosto se pinta a tristura,
Os seus olhos tem meigo lusir.

Minha terra não tem os cristaes
Dessas fontes do só Portugal;
Minha terra não tem salgueiraes,
Só tem ondas de branco areal.

Não tem Vates por Deos inspirados,
Que descantem um Gama, um Moniz,
Que em seus feitos com loiros ganhados
Deram lustre ao nativo paiz.

Não os tem; porqu’a sorte negou-lhe
Do Poeta a divina missao,
Do Poeta, que a patria descanta
Com vangloria, com mago condão.

Se assim fôra — o Vate africano —
Decantára do intimo d’alma
Quem primeiro nos plainos torrados
D’infieis alcançou justa palma.

Decantára esse filho — Soldado —
D’Albarrota do grão vencedor,
Que nos brados de guerra soltados
Só mostrava denodo e valor.

Decantára um Conde Barcellos,
Um Fernando Senhor de Bragança,
Que aos Mouros filháram Cidades,
Só tomadas á ponta de lança.

Decantára nas guerras de Tunes,
De Granada, Marrocos e Fez,
Das victorias o brado incessante —
Contra mil — do quinhão portuguez.

Decantára um Affonso Gutterres,
Um Gonçalves, um Nuno Tristão
Que primeiros levaram á pátria
Os captivos do ardente torrão.

Entre estes, tambem decantára
Um Gonçalo de Cintra, que ousado
N’um esteiro nadando morreu
Penetrando Guiné conquistado.

Decantár’os! — Mas que, minha terra
Não tem Vate por Deos inspirado;
Não é pátria do divo Camões
Tão poeta, quão bravo soldado.

Não é pátria dos Vates d’America
Qu’em teus cantos, com maga harmonia,
Na Tijuca em seu cume sentado
Descansaste em tão bella poesia.

Não os tem; porqu’em terra africana
Não ha Cysne em gentil Guanabára,
Mais mimosa, mais bella e mais rica
Do que o oiro do meu Ouangára.

Minha terra não tem arvoredos
Tão frondosos, sombrios e bellos
Como os teus, em Palmella risonha,
Toda envolta em seus verdes cabellos.

Não tem vagas humildes beijando
Os vergeis d’essas serras altivas
Que ora brandas não gemem, suspiram,
Ora rugem — por ventos batidas.

Minha terra não tem o granito
E o verdor do teu Cintra impinado
Que d’amor suas fallas sentidas
Decantaste por elle inspirado.

Nada tem minha terra natal
Qu’extasie e revele primor,
Nada tem, a não ser dos desertos
A soidão que é tão grata ao cantor.

Mesmo assim rude, sem primores d’arte,
Nem da natura os mimos e bellezas,
Qu’em campos mil a mil vicejam sempre,
É minha pátria!
Minha pátria por quem sinto saudades
Saudades tantas que o peito ralam,
E com tão viva força qual sentiste,
Quando no cume da Tijuca altiva
Meditando escreveste em versos tristes,
Versos que tanto amei, e que amo ainda,
As saudades dos lares teus mimosos!
É minha pátria afanoso o digo!
Deu-me o berço, e nella vi primeiro
A luz do sol embora ardente e forte.
Os meus dias d’infancia ali volveram
No tempo ao coração mais primoroso,
Nesses dias ditosos, em que apenas
Ao mundo dispertado, vi e ouvia
Por sobre os labios meus roçarem beijos
Beijos de puro amor, nascidos d’alma
D’alma de Mãi mui carinhosa e bella!

Foi ali que por voz suave e santa
Ouvi e cri em Deos! É minha pátria!

E tu Poeta bem fadado,
Que na gentil Guanabára
Tantos cantos tens cantado
Á tua pátria preclara,
Recebe este meu canto
De amargôr e de pranto,
Sem bellezas, sem encanto.
Á minha pátria tão cara.

Vi as bellezas da terra
Da tua terra sem igual,
Mirei muito do qu’encerra
O teu lindo Portugal;
E se invejo a lindeza
Da tua terra a belleza,
Tambem é bem portugueza
A minha terra natal.

Com gloria trago no peito
Esse nome outr’ora forte,
Que não sei o que foi feito
Do seu presagio de sorte.
E s’inda dorme indolente,
Bem cantaste, em voz cadente,
Que ha de surgir potente
Desse lethargo de morte.

Tambem invejo o Brazil
Sobre as aguas a brilhar,

Nesses campos mil a mil,
Nesses montes d’alem mar.
Invejo a formozura
Desses prados de verdura,
Inspirando com doçura
O Poeta a descantar.

Nada tem minha terra natal
Qu’extasie e revele primôr,
Nada tem, a não ser dos desertos
A soidão que é tão grata ao cantor.

E tu Poeta bem fadado,
Que na gentil Guanabára,
Á tua pátria tão cara
Tantos cantos tens cantado
Tambem recebe o meu canto
De amargôr e de pranto
Sem bellezas, sem encanto,
Por minh’alma a ti votado!


Rio de Janeiro. — 1849.