A Esperança Vol. I/Impressões ao pôr do sol

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Impressões ao pôr do sol

Hora d'amor e saudade, etc. etc.
Visconde de A. Garrett.

Que hora de saudade não é a do pôr do sol!! Quando elle, escondendo-se atraz d'uma informe massa de granito, ou abafando-se no mar, nos envia, no seu ultimo raio, um adeus melancolico!

Quando o sino lá da ermida da serra toca a Trindades, ― o som tremulo e plangente do bronze revôa pelas quebradas e valles como lugubre e longo gemido sahido d'um tumulo a pedir orações para quem alli repousa.

Quando o pegureiro visto lá ao longe, em pé sobre os penhascos da montanha, nos parece um espectro hirto e gelado a saudar a desapparição do dia, e a esperar que o manto da noite o envolva!

E' sublime essa hora em que o fatigado lavrador volta ao casal, satisfeito e feliz por que sabe o esperam as caricias dos filhinhos, e o sorriso amigo da esposa.

Quando de todas as casinhas da aldeia sahem vaporosas e brancas columnas de fumo que se elevam em espiral para o céo até se perderem na dubia claridade do anoitecer!!

E eu amo esta hora, mas não sei definir as impressões que ella produz em mim. Será alegria isto que eu sinto descer-me ao coração, e agital-o? Não, não é: porque muitas vezes sinto correr lagrimas por minhas faces.

Tristeza tambem não é: porque a minha alma se eleva e engrandece, e entôa louvores ao seu Creador.

Como se chama pois este sentimento?

Não sei.

Será saudade?

De que?...

Talvez do céo; por que a minha alma, n'estas horas privilegiadas rasga os tenues liames que a prendem á materia; e abrindo as azas vôa atravez de mundos desconhecidos até ao throno do Omnipotente.

Por que gostarei mais de te vêr no occaso, ó formoso astro do dia, do que a surgir resplandecente de brilho e pompa?

POr que é verdadeiro e sublime aquelle dizer de Julio Cesar Machado:

«O pensamento falla mais alto reclinado sobre um tumulo, do que debroçado n'um berço.»

E' por isso que eu prefiro o outomno á primavera; é por isso que eu gosto mais de ti, ó sol, quando me parece que te somes na immensa sepultura dos mares!!

Quer seja no outomno, ou na primavera; quer no inverno ou no estio é sempre grandiosa e sublime esta hora.

Quem póde descrever a tua magica poesia, ó sol, quando na primavera desces sereno e magestoso para o fim da tua carreira, quando as aves cantam saudades, e aas flores pendem os calices immurchecidas?

E depois, mais tarde, ao declinar d'essas abrasadoras tardes de verão, quando o occidente se adorna de purpura e ouro para te receber; e os prados, os bosques, mesmo essas despresadas flores das campinas choram por ti lagrimas, que ao outro dia tu lhes enchugas com teus beijos de fogo.

No outomno é incomparavel o teu melancolico encanto, quando palido, quasi sem brilho, lanças os teus ultimos raios sobre essa scena de desolação que a natureza apresenta! E as amarelecidas folhas curvam-se nos debeis pesinhos para te dizerem o seu ultimo adeus; e nas azas da briza, que por ellas prepassa, mandam-te o seu derradeiro canto de adoração.

E's grandioso e sublime, ó sol, quando nas tardes sombrias do inverno te segue um cortejo de nuvens negras, tão negras como a aza do côrvo, e tu espalhas os teus raios sem brilho sobre essas arvores a quem os sopros gelados do inverno despojaram uma a uma de todas as suas folhas; e que agora nos parecem informes esqueletos que tremem, rangem e se desconjuntam quando as azas do tufão as açoita.

E tu, ó sol, rasgando a custo as nuvens que te rodeiam, mostras a fronte magestosa. E' então que eu julgo ver em ti immensa e amortecida alampada, suspensa por mão mysteriosa sobre vasto cemiterio.....

Por que não poderei eu descrever os teus encantos, á hora sublime do pôr do sol?

Por que não poderei traduzir em palavras estas expressões de suave poesia que tu fazes nascer em minha alma?

E' por que é uma verdade incontestavel este pensamento de Lamartin:

«Do que se descreve ao que se sente, medeia o infinito.»

Vai ó sol, continua o teu giro incessante, que o meu coração terá todos os dias um canto de adoração e saudade para te enviar.

Veiga―Janeiro―1865