Americanas/Advertencia

Wikisource, a biblioteca livre

ADVERTENCIA


O titulo de Americanas explica a natureza dos objectos tratados neste livro, do qual excluí o que podia destoar daquella denominação commum. Não se deve entender que tudo o que aqui vae seja relativo aos nossos aborigenes. Ao lado de Potyra e Niani, por exemplo, quadros da vida selvagem, ha Christã Nova e Sabina, cuja acção é passada no centro da civilisação. Algum tempo, foi opinião que a poesia brazileira devia estar toda, ou quasi toda, no elemento indigena. Veiu a reacção, e adversarios não menos competentes que sinceros, absolutamente o excluiram do programma da litteratura nacional. São opiniões extremas, que, pelo menos, me parecem discutiveis.

Não as discutirei, agora, que não é azado o ensejo. Direi somente que, em meu entender, tudo pertence á invenção poetica, uma vez que traga os caracteres do bello e possa satisfazer as condições da arte. Ora, a indole e os costumes dos nossos aborigenes estão muita vez nesse caso; não é preciso mais para que o poeta lhes dê a vida da inspiração. A generosidade, a constancia, o valor, a piedade hão de ser sempre elementos de arte, ou brilhem nas margens do Scamandro ou nas do Tocantins. O exterior muda; o capacete de Ajax é mais classico e polido que o kanitar de Itajuba; a sandalia de Calypso é um primor de arte que não achamos na planta nua de Lindoya. Ésta é, porêm, a parte inferior da poesia, a parte accessoria. O essencial é a alma do homem.

Das qualidades boas, e ainda excellentes, dos nossos indios, andam cheias as relações historicas. Era agreste e rudimentario o estado delles; medeia um abysmo entre a taba de Uruçamirim e qualquer dos nossos bairros inferiores. Mas, com todas as feições grosseiras de uma civilisação embryonaria, havia alli os caracteres de uma raça forte, e não communs virtudes humanas. Montaigne, que lhes consagrou um affectuoso capítulo, enumera o que achou nelles grande e bom, e conclue com ésta pontasinha de maliciosa ingenuidade: «Mais quoi! ils ne portent point de hault de chausses!»


1875.


M. A.