Brasileiras celebres (1862)/Brasileiras celebres

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BRASILEIRAS
 
CELEBRES
 

 

Nação de hontem, o Brasil ja escreve a sua historia, ja tem os seus heroes, que enumerão gloriosas batalhas, que apontão os logares de suas victorias; ja possue a sua litteratura, ao principio pallida cópia, depois elegante imitação, e por fim donosa originalidade; ja conta seus artistas, de não pequena nomeada, ja mostra seus homens scientificos com sua reputação europea; ja apresenta uma triplice pleade de oradores que honrão o pulpito, que enobrecem a tribuna parlamentar, abrilhantão a cadeira judiciaria; ja se honra de seus estadistas, ja se gloria de ver as suas princezas adornando o solio das côrtes da velha Europa; ja aponta para seus edificios monumentaes, dignos dos primeiros capitees de reinos seculares, e em breve terá seus monumentos historicos como as estatuas equestres de seus imperadores, como a columna gigantesca de sua independencia, como a cruz collossal de seu descobrimento, como os bustos marmoreos de suas celebridades, et pois não serão menos condignas de memoria as Brasileiras que se tem distinguido ou se tem tornado celebres.

«Pede a justiça, dizia assim o eximio conego Januario da Cunha Barbosa, quando me incitava a escrever estas rapidas biographias, pede a justiça que tiremos á luz acções gloriosas, que levem ao conhecimento do mundo as senhoras que as praticarão. Ellas devem occupar o mesmo distincto logar que occupavão os varões afamados por lettras, armas e virtudes.»

Ja outro incansavel escriptor brasileiro, monsenhor Pizarro, havia fallado com louvor do sexo amável e encantador que tanta honra dá ao paiz em que vira pela primeira vez o dia.

«O valor militar, escrevia assim o auctor das Memorias historicas,“não se tem coartado nas pessoas do sexo masculino mas estendido tambem ás do sexo feminino. Entre elle se descobre que se fizerão assaz recommendaveis por suas acções, sem lembrar as que se distinguirão por virtudes christás e por outras qualidades dignas de memoria.»

E insignificante por enquanto o seu numero, mas tambem poucos são os annos de nossa existencia nacional, quando as nações do velho mundo a computão por dezenas de seculos, e entre tanto quantas senhoras tão dignas de serem lembradas por tantos titulos gloriosos não baixarião ao tumulo com seus nomes? Por muito tempo contribuiu tambem uma acanhada e mesquinha educação para que morressem em esquecimento muitas senhoras brasileiras, e mal entendida modestia obstou que vissem a luz da publicidade algumas composições e traducções que talvez emparelhassem com a de nossos melhores litteratos. E ainda hoje quantos homens ignorantes não tem por incompativel com o milindre do sexo feminino a mais innocente das obras inspiradas pela mais nobre das paixões, et não vem na sua publicação um como compromettimento? Resultou o que se devia esperar: — a perda de numerosas composições e d’ahi o não serem sinão conhecidas pelo seu nome as poetisas mineiras, dona Barbara Heliodora Guilhermina da Silveira, esposa do celebre poeta Alvarenga Peixoto, que finou-se no exilio, dona Maria dita, por antonomasia, das Contendas, por causa de sua belleza e outras muitas.

Era por de mais sentida a falta de um livro apropriado a vossa leitura e que apresentasse em relevo as vossas patricias merecedoras das paginas da historia. D’aqui em diante podereis fallar com orgulho de vossas mais celebres compatriotas das quaes muitas se tornarão excepção de seu sexo; podereis citar seus nomes por tanto tempo perdidos; podereis commemorar seus actos quasi que ignorados; podereis indicar os logares, fixar as datas em que se distinguirão e que ahi estavão como que em esquecimento; tão grande tem sido a nossa incuria!

Lancei pois sobre o papel estes fracos esboços, que melhor sairiam da pena manejada por alguma senhora, o que espero em Deus ainda se realize para que mais realce ganhe o seu assunto, apresentado em quadro desenvolvido com mais talento e critério, sobre melhor tela e de mais vastas proporções e por meio de mais vivas cores.

Pálidos como são, encontrareis contudo nestes esboços muitos fatos memoráveis da história nacional e não poucas ações magnânimas, feitos de valor, provas de amor da pátria, rasgos de desinteresse, exemplos de virtudes, atos de piedade e mostras de ilustração devidas ao sexo feminino, lidas nas crônicas da pátria ou ouvidas nas tradições nacionais e enfim

Cousas que juntas se acham raramente!

Camões.

Apresentando estas leituras, a nenhuma de vós quero seduzir com o exemplo de mulheres guerreiras ou puramente literatas; mero historiador não curo de fazer prosélitos. Ninguém ignora que os séculos que ali jazem com suas gerações extintas prescreveram a missão da mulher. A ciência mais apreciável nas pessoas de nosso século, disse-o uma lacedemoniana, é o governo da casa, e nem outra é a lei dos povos japoneses ainda que semibárbaros. Nestas poucas mas sublimes palavras cifrase a missão do ente que o Criador destinou ao homem para sua companheira, da mulher que na sacra família será Ana, tendo sobre os joelhos o livro por onde ensine a Maria, aquela que tem de ser a esposa de Deus, aquela em cujas entranhas tem de encarnar o verbo do Senhor para viver entre nós.

E que exemplo tão grandioso não é esse que nos oferece o cristianismo! Deus em toda a sua onipotência, no seio de sua imensidade, entre as eternidades do passado e do futuro, ante a pompa de seus astros, e a maravilha de seus mundos que narram a sua glória, que patenteiam a sua grandeza, rodeado de seus anjos, ladeado de seus profetas com suas harpas de ouro, tendo os demônios curvados a seus pés, como submissos escravos, baixa seus olhos à Terra, penetra na cabana da inocência, elege para sua esposa ou sua mãe (mistério que nos abisma!) a mais humilde das mulheres da Terra, mas que reunia em seu seio angélico todas as virtudes, Maria, o símbolo do amor puro e da castidade, que vitoriosa esmaga a serpente e salva a humanidade! Entretanto quantas mulheres, verdadeiras heroínas, que enchem de suas ações as páginas da própria Bíblia, esse livro dos livros, e que brilham como astros de glória, não ficarão deslumbradas ante a rosa de Jericó!

Nestas mesmas páginas que vos ofereço que exemplos edificantes! Quanto mais humilde é a missão da mulher, tanto maior é a sua glória. É que a mulher,
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segundo as expressões de um autor sul-americano está destinada a realizar o typo da perfectibilidade indefinida da especie humana; a ser o ardente apóstolo do Evangelho, que será o codigo unico que regerá os povos sem necessidade de constituições, quando essa criatura sublime do Eterno haja recobrado a dignidade de seu ser por uma instrução esmerada.

Para que este livro não ficasse incomplecto, junctei-lhe uma rápida e concisa introdução relativa á história do Brasil e fechei-o com o juízo que sobre as senhoras brasileiras formam os viajantes estrangeiros. É um epilogo que, como brilhante corôa, resplandece sobre estas palidas paginas, dando-lhes o brilho que lhes falta.

Na confecção d'este livro só tive em vista apresentar-vos este ramalhete de flores colhidas em nosso jardinoso payz. Estão entrançadas sem arte, sem gosto; não é isso defeito das flores que são bellas sinão magníficas e sim de minhas mãos que não souberam dispôl-as tirando partido da vanedade de seus matizes, mas dir-vos-hei que escrevi-o sentindo arder-me no puro amor da patria, tendo por culto a verdade e por unico livro o Brasil!