Confissões de uma Viúva Moça/V

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Na tarde seguinte, quando meu marido voltou perguntei por Emilio.

— Não o procurei, respondeu-me elle; tomei o conselho; se não vier hoje, sim.

Passou-se, pois, um dia sem ter noticias d’elle.

No dia seguinte, não tendo apparecido, meu marido foi lá.

Serei franca comtigo, eu mesma lembrei isso a meu marido.

Esperei anciosa a resposta.

Meu marido voltou pela tarde. Tinha um certo ar triste. Perguntei o que havia.

— Não sei. Fui encontrar o rapaz de cama. Disse-me que era uma ligeira constipação; mas eu creio que não é isso só...

— Que será então? perguntei eu, fitando um olhar em meu marido.

— Alguma cousa mais. O rapaz fallou-me em embarcar para o norte. Está triste, distrahido, preoccupado. Ao mesmo tempo que manifesta a esperança de ver os pais, revela receios de não tornar a vêl-os. Tem idéas de morrer na viagem. Não sei que lhe aconteceu, mas foi alguma cousa. Talvez...

— Talvez?

— Talvez alguma perda de dinheiro.

Esta resposta transtornou o meu espirito. Posso affirmar-te que esta resposta entrou por muito nos acontecimentos posteriores.

Depois de algum silencio perguntei:

— Mas que pretende fazer?

— Abrir-me com elle. Perguntar o que é, e acudir-lhe se fôr possivel. Em qualquer caso não o deixarei partir. Que achas?

— Acho que sim.

Tudo o que ia acontecendo contribuia poderosamente para tornar a idéa de Emilio cada vez mais presente á minha memoria, e, é com dôr que o confesso, não pensava já n’elle sem pulsações do coração.

Na noite do dia seguinte estavamos reunidas algumas pessoas. Eu não dava grande vida á reunião. Estava triste e desconsolada. Estava com raiva de mim propria. Fazia-me algoz de Emilio e doia-me a idéa de que elle padecesse ainda mais por mim.

Mas, serião nove horas, quando meu marido appareceu trazendo Emilio pelo braço.

Houve um movimento geral de sorpresa.

Realmente porque Emilio não apparecia alguns dias já todos começavão a perguntar por elle; depois, porque o pobre moço vinha pallido de cêra.

Não te direi o que se passou n’essa noite. Emilio parecia soffrer, não estava alegre como d’antes; ao contrario, era n’aquella noite de uma taciturnidade, de uma tristeza que incommodava a todos, mas que me mortificava atrozmente, a mim que me fazia causa das suas dôres.

Pude fallar-lhe em uma occasião, a alguma distancia das outras pessoas.

— Desculpe-me, disse-lhe eu, se alguma palavra dura lhe disse. Comprehende a minha posição. Ouvindo bruscamente o que me disse não pude pensar no que dizia. Sei que soffreu; peço-lhe que não soffra mais e esqueça...

— Obrigado, murmurou elle.

— Meu marido fallou-me de projectos seus...

— De voltar á minha provincia, é verdade.

— Mas doente...

— Esta doença ha de passar.

E dizendo isto lançou-me um olhar tão sinistro que eu tive medo.

— Passar? passar como?

-— De algum modo.

— Não diga isso...

— Que me resta mais na terra?

E voltou os olhos para enxugar uma lagrima.

— Que é isso? disse eu. Está chorando?

— As ultimas lagrimas.

— Oh! se soubesse como me faz soffrer! Não chore; eu lh’o peço. Peço-lhe mais. Peço-lhe que viva.

— Oh!

— Ordeno-lhe.

— Ordena-me? E se eu não obedecer? Se eu não puder?... Acredita que se possa viver com um espinho no coração?

Isto que te escrevo é feio. A maneira por que elle fallava é que era apaixonada, dolorosa, commovente. Eu ouvia sem saber de mim. Approximavão-se algumas pessoas. Quiz pôr termo á conversa e disse-lhe:

— Ama-me? disse eu. Só o amor póde ordenar? Pois é o amor que lhe ordena que viva!

Emilio fez um gesto de alegria. Levantei-me para ir fallar ás pessoas que se approximavão.

— Obrigado, murmurou-me elle aos ouvidos.

Quando, no fim do serão, Emilio se despedio de mim, dizendo-me, com um olhar em que a gratidão e o amor irradiavão juntos: — Até amanhã! — não sei que sentimento de confusão e de amor, de remorso e de ternura se apoderou de mim.

— Bem; Emilio está mais alegre, dizia-me meu marido.

Eu olhei para elle sem saber o que responder.

Depois retirei-me precipitadamente. Parecia-me que via n’elle a imagem da minha consciencia.

No dia seguinte recebi de Emilio esta carta:

« Eugenia. Obrigado. Torno-me á vida, e á senhora o devo. Obrigado! fez de um cadaver um homem, faça agora de um homem um deos. Animo! animo! »

Li esta carta, reli, e... dir-t’o-hei, Carlota? beijei-a. Beijei-a repetidas vezes com alma, com paixão, com delirio. Eu amava! eu amava!

Então houve em mim a mesma luta, mas estava mudada a situação dos meus sentimentos. Antes era o coração que fugia á razão, agora a razão fugia ao coração.

Era um crime, eu bem o via, bem o sentia; mas não sei qual era a minha fatalidade, qual era a minha natureza, eu achava nas delicias do crime desculpa ao meu erro,e procurava com isso legitimar a minha paixão.

Quando meu marido se achava perto de mim eu me sentia melhor e mais corajosa...

Paro aqui d’esta vez. Sinto uma oppressão no peito. É a recordação de todos estes acontecimentos.

Até domingo.