Dicionário de Cultura Básica/Cabral

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CABRAL (poeta pernambucano) → Modernismo

Um galo sozinho não tece uma manhã

Nascido no Recife (1920–1999), viveu muito tempo no exterior (França, Inglaterra, Espanha), onde exerceu funções diplomáticas. Poeta, autêntico e inovador, não pode ser enquadrado em nenhuma "geração" pós-modernista. A sua produção poética apresenta várias vertentes: 1) o poeta-engenheiro que cria seus versos com cortes precisos, trabalhando a palavra como se exculpe o mármore, desmistificando a poesia como fruto da inspiração e do sentimento, sendo acusado de cerebralismo e de desumanização; 2) o poeta de cunho social, que retrata toda a aridez e a pobreza do Nordeste brasileiro; 3) o poeta que busca, apesar da sua técnica apurada, a comunicação com o público, o que transparece no seu texto mais conhecido, Morte e Vida Severina, poema-narrativa, musicado no palco por Chico Buarque de Holanda e adaptado a um seriado televisivo. Como exemplo da poesia de Cabral, transcrevemos um poema escrito quando sua visão já estava fraca, que nos faz lembrar um verso do heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, o poeta da "visão" da Natureza: "Pensar é estar doente dos olhos!"

Pedem-me um poema,
um poema que seja inédito,
poema é coisa que se faz vendo
como imaginar Picasso cego?

Um poema se faz vendo,
Um poema se faz para a vista,
Como fazer o poema ditado
Sem vê-lo na folha escrita?

Poema é composição,
Mesmo da coisa vivida,
Um poema é o que se arruma,
Dentro a desarrumada vida.

Por exemplo, é como um rio,
Por exemplo, um Capibaribe,
Em suas margens domado
Para chegar ao Recife,

Onde com o Beberibe,
Com o Tejipió, Jaboatão,
Para fazer o Atlântico,
Todos se juntam a mão.

Poema é coisa de ver,
É coisa sobre um espaço,
Como se vê um Franz Weissman,
Como não se ouve um quadrado.