Dicionário de Cultura Básica/Idade

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IDADE (o mito da "Idade de Ouro") — Idade Antiga, Medieval e Moderna

"Pois, deuses e mortais têm a mesma origem"
(Hesíodo)

O mito da Idade de Ouro nasceu na Suméria há 4.000 anos, sob a forma de "mito de Dilmun". Mas ele pode ser detectado em outras civilizações também, constituindo-se num arquétipo utópico da felicidade do homem sob os olhares providentes da divindade. Na cultura judaica, a Idade de Ouro é representada pelo Éden, o Paraíso terrestre, no tempo anterior à culpa de Adão, quando o homem gozava dos dons "preternaturais": era imune da dor e da morte, não precisando trabalhar, pois a terra produzia os frutos espontaneamente. A Idade de Ouro no mundo grego é identificada com o mito de Cronos (Saturno, em Roma), que pertence à "pré-história" mítica. Expulso do Olimpo pelo filho Júpiter, Saturno reinou em várias regiões do Mediterrâneo (África, Sicília, Lácio, conforme variantes da lenda), ensinando aos homens o cultiva da vinha e a produção do vinho para aumentar a alegria de viver. Esta Era de prosperidade encontra-se exaltada pelo poeta grego Hesíodo e pelos escritores latinos Horácio, Virgílio e Ovídio, quando falam de Saturnia regna (os reinos de Saturno). A semelhança entre a cultura judaica, greco-romana e cristã é muito relevante, a este respeito. Como, após o pecado original, o povo hebreu estava esperando a chegada de um Messias-Salvador, conforme prometido por Jeová, assim o poeta latino Virgílio, na sua IV Bucólica, anuncia a vinda de um Priceps para restaurar a paz, a abundância e a justiça, que originariamente caracterizaram a Idade de Ouro e que desapareceram na Idade de Bronze, quando começou a reinar a maldade e a violência. Espacialmente, a Idade de Ouro é representada pelas imagens do "Jardim de Javé", do "milagre do oásis", das Ilhas Afortunadas, do Olimpo e do monte Parnaso. Do ponto de vista político, este mito é explorado por vários estadistas que sonharam com a possibilidade da construção de uma sociedade justa, onde dominasse o amor e a fraternidade: a República de Platão; os Evangelhos (Cristo); a Cidade de Deus (Santo Agostinho); a Cidade do Sol (Campanella); a sociedade ideal apregoada pelo Comunismo (Marx). Ver também o verbete Utopia. Mas, passando do mito para a história e limitando-nos à cultura ocidental, a tradição costuma dividir nossa civilização em três Idades ou Eras (do latim aevum = "idade"), cada qual tendo várias épocas ou períodos:

1) Idade Antiga, que abrange a herança greco-romana, cuja cultura se produziu ao longo de quase um milênio: do séc. VIII a.C. (data do surgimento do alfabeto na Grécia, com a conseqüente passagem da oralidade para a escrita dos cantos épicos atribuídos a Homero) até o séc. V d.C. quando, em 476, se deu a queda do Império Romano do Ocidente, pelas invasões barbáricas. Esta Era pode ser dividida em três épocas denominadas pelas cidades hegemônicas: período ático ou de Atenas, que vai de 480 (Batalha de Salamina: vitória dos gregos sobre os persas) a 323 (morte de Alexandre, o Grande); Período helenístico, séculos III e II a.C., quando predominou a capital do Egito, Alexandria; Período latino, sob o domínio de Roma: do séc. I a.C ao V d.C. Este período helenístico ou romano, de cultura em língua latina, pode se subdividido em várias fases: época arcaica ou das Origens, Áurea (de César e Augusto), Imperial (durante a dominação dos vários imperadores) e Cristã (→ Cristo): do Edito de Milão, do ano 313, quando o imperador Constantino concedeu a liberdade de culto aos cristãos, até o ano 476, data de deposição do último imperador de Roma, baliza do fim da Era Antiga. A Idade Antiga é também chamada de "greco-romana" porque, apesar das diferenças de línguas e costumes entre os dois povos, encontram-se muitas identidades culturais. O Estado romano, quer no regime republicano, quer na época imperial, apesar de ter sido escravagista, impondo pesados tributos aos povos conquistados pela força das armas, soube admirar e respeitar a superioridade da cultura grega, tentando mais imitá-la do que destruí-la. Prova disso é a importação de filósofos, letrados e artistas gregos para serem pedagogos dos filhos dos nobres romanos. Assim, os deuses gregos foram cultuados em Roma com um nome latino; pintores, escultores e arquitetos passaram a imitar templos e monumentos gregos; os literatos tiveram por modelos a poesia épica de Homero, a lírica de Píndaro e Safo, a tragédia da tríade Ésquilo-Sófocles-Eurípedes, a comédia de Menandro, a história de Heródoto, a oratória de Demóstenes. A maior contribuição cultural propriamente latina está restrita ao campo da jurisprudência: o "Direito Romano" é uma disciplina ainda ensinada na maioria das Faculdades.

2) Idade Média (→ Medievalismo): assim chamada por ser mediana ou "medianeira" entre a cultura clássica greco-romana e a cultura moderna que, segundo a divisão tradicional, começaria com o Renascimento ou, conforme uma corrente crítica mais recente (e mais coerente!), iniciaria no séc. XI, junto com o surgimento das línguas européias modernas (neolatinas e anglo-saxônicas). Pelo critério de periodização convencional, a Idade Média ocupa quase um milênio, começando pela queda do Império Romano do Ocidente (476) e terminando com a queda do Império Romano do Oriente, em 1453, quando o exército muçulmano tomou a cidade de Constantinopla, antiga Bizâncio (→ Helenismo) e hodierna Istambul. Para evitar inverdades, a crítica costuma dividir este longo período em duas épocas: Alta Idade Média (do séc. V ao XI) e Baixa Idade Média (do séc. XI ao XV). Apenas à primeira fase caberia o rótulo de "obscurantismo" ou de "período das trevas", pois (constatação vergonhosa!), durante mais de seis séculos não se produziu absolutamente nada na Europa, o Ocidente sofrendo uma paralisia provocada por vários fatores de ordem lingüística, histórica e religiosa, que estão analisados no verbete Medievalismo. Já o segundo período, a Baixa (porque mais perto de nós) Idade Média, deve ser considerado como uma pré-renascença pelo desabrocho cultural. Não pode ser considerada como retrógrada uma época de gênios da produção artística e do pensamento reflexivo, tais como Dante Alighieri, Petrarca, Boccaccio, Tomás de Aquino, Duns Scoto, Giotto, Beato Angélico, sem falar dos trovadores provençais, dos "rapsodos" de cantos épicos, dos escritores de novelas de Cavalaria. O que justifica a inclusão tradicional deste período na Era Medieval é apenas o aspecto religioso: o pensamento reflexivo e a atividade artística ainda estão dominados pela influência da Igreja Católica.

3) Idade Moderna: o conceito de "moderno" encontra-se estudado no verbete Modernismo. Para a crítica tradicional, a Era Moderna começaria pelo movimento renascentista, no séc. XV, surgido em Florença, continuado em Roma e difuso por toda a Europa com nomes e datas diferentes. O Renascimento italiano é seguido pelo Barroco espanhol, pelo Neoclassicismo francês e pela Arcádia na Itália e na península ibérica. Essas várias fases constituem o "período clássico" da Era Moderna, caracterizado pela oposição à cosmovisão medieval e pela retomada dos princípios estéticos e ideológicos da época greco-romana. Com o Romantismo, movimento cultural surgido na Alemanha e na Inglaterra, na segunda metade do séc. XVIII, inicia uma nova época que se opõe frontalmente à concepção clássica da vida. A linha de contraste entre a estética e a mundividência clássica e romântica encontra-se exposta no verbete Romantismo. Ao movimento romântico, que durou aproximadamente um século, sucedeu a época do Realismo, de 1850 a 1890, que surgiu em oposição ao período romântico, influenciado pelas correntes filosóficas do Positivismo e do Determinismo e pela teoria científica do Evolucionismo (→ Darwin). A primeira revolta contra o pensamento e a estética do realismo materialista deu-se com o Simbolismo, movimento francês de curta duração, mas que pode ser considerado como precursor das correntes estéticas da Vanguarda européia (Futurismo, Dadaísmo, Expressionismo, Cubismo e Surrealismo), que revolucionaram a cultura ocidental, a partir do início do séc. XX. O Modernismo brasileiro está visceralmente ligado aos movimentos da vanguarda francesa e italiana pela moda antipassadista, tentando novas possibilidades de expressão artística.