História da Mitologia/XVIII

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Capítulo XVIII[editar]

Meléagro e Atalanta
ilustração de Giulio Romano (1499–1546)

Meléagro e Atalanta[editar]

Um dos herois da expedição dos Argonautas era Meléagro, filho de Eneu e Alteia, rei e rainha de Calidão. Alteia, quando seu filho nasceu, viu as três deusas da vida, as quais, enquanto teciam o destino fatal, vaticinaram que a vida da criança não deveria durar mais que um pedaço de brasa que em breve seria extinto pelo fogo. Alteia pegou e extinguiu a brasa, e carinhosamente cuidou dela durante anos, enquanto Meléagro chegava à infância, juventude, e idade adulta. Aconteceu então, que Eneu, quando estava oferecendo sacrifícios aos deuses, se esqueceu de prestar as devidas homenagens a Diana; e ela, indignada com a negligência, enviou um javali selvagem com dimensões descomunais assolar os campos de Calidão.

Os olhos do javali brilhavam com sangue e fogo, suas cerdas pareciam lanças ameaçadoras, suas presas eram como os dentes dos elefantes indianos. Os milharais foram pisoteados, os vinhedos e as oliveiras devastados, as ovelhas e o gado ficaram completamente assustados pelo inimigo matador. As ajudas oferecidas de nada adiantavam; mas Meléagro convocou os heróis da Grécia para se unirem em uma audaciosa caçada em busca do monstro voraz. Teseu e seu amigo Pirítoo, Jasão, Peleu, futuro pai de Aquiles, Télamon, pai de Ajax, Nestor, ainda jovem, mas que na sua idade portava armas com Aquiles e Ajax na Guerra de Troia, -- estes e muitos outros se juntaram nesse entrave.

Com eles veio Atalanta, filha de Íaso, rei da Arcádia. Uma fivela de ouro polido prendia-lhe o vestido, uma aljava de marfim pendia em seu ombro esquerdo, e a sua mão esquerda portava um arco. Sua face era a harmonia da beleza feminina com os mais belos dotes de juventude marcial. Meléagro a viu e se apaixonou. Porém, agora, eles já se encontravam perto da caverna do monstro. Estenderam longas redes de uma árvore à outra; soltaram os cães, e tentaram encontrar na relva as pegadas do animal. Na floresta havia uma descida que dava para um terreno pantanoso.

Ali o javali, que se enfiou por entre os juncos, ouviu os gritos de seus perseguidores, investindo contra eles. Aqui e ali, um e outro era derrubado e morto. Jasão lança seu arpão, fazendo uma prece para Diana com pedidos de vitória; e a deusa generosa permite que a arma tocasse o animal, mas não causasse ferimento, removendo a ponta de aço do arpão durante a fuga. Nestor, ao ser atacado, procura e encontra segurança nos galhos de uma árvore. Télamon faz suas investidas, porém, tropeça num toco de raiz, caindo de bruços. Mas uma flecha de Atalanta, finalmente, pela primeira vez, faz jorrar o sangue do monstro.

Foi um ferimento leve, porém, Meléagro contempla a fera e com alegria comemora o fato. Anceu, instigado pelo despeito de um elogio feito a uma mulher, proclama em voz alta o próprio valor, e ao mesmo tempo desafia o javali e a deusa que o enviou; mas, ao avançar contra o animal, a fera enraivecida o derruba, ferindo-o mortalmente. Teseu lança o seu arpão, mas ele é desviado por um galho no caminho. O dardo de Jasão erra o alvo, e por fatalidade, mata um de seus cães. Mas, Meléagro, após um golpe mal sucedido, crava o arpão nos flancos do animal, depois, ataca-o novamente, matando a fera com repetidos golpes de sua arma letal.

Erguem-se os gritos dos circunstantes; parabenizam o conquistador, amontoando-se para tocá-lo. Ele, colocando o pé na cabeça do javali morto, se vira para Atalanta e oferce a ela a cabeça e a pele rústica do animal, que constituíam os trofeus da sua vitória. Diante desse fato, a inveja despertou o espírito de luta dos demais. Pléxipo and Toxeu, irmãos da mãe de Meléagro, além dos outros que se opuseram ao presente, roubaram o troféu que a donzela havia recebido. Meléagro, cego de ódio pelo absurdo que lhe haviam causado, mais ainda diante do insulto feito à pessoa que ele amava, se esqueceu dos laços de parentesco, mergulhando a espada no coração dos ofensores.

Quando Alteia levava as oferendas de agradecimento para os templos pela vitória de seu filho, ficou chocada com os corpos de seus irmãos assassinados. Ela grita de dor, e bate no peito, e se apressa em trocar as roupas de festa pelas de luto. Mas quando vem a saber o nome do assassino, a tristeza cede lugar ao firme desejo de vingar seu filho. A brasa fatal, que outrora ela resgatara das chamas, e que as Deusas do destino haviam ligado à vida de Meléagro, pede para que seja trazida, e ordena que o fogo seja preparado.

Então, por quatro vezes ela ensaia jogar a brasa no fogo; e quatro vezes recua, estremecendo diante do pensamento em trazer destruição para o próprio filho. Os sentimentos de mãe e de irmã se debatem dentro dela. Em alguns momentos, se acovarda diante do pensamento que decide concretizar, outras vezes se enche de raiva pelo ato de seu filho. Como o barco, que é soprado em uma direção pelo vento, e do lado oposto pela maré, a mente de Alteia paira suspensa diante da incerteza. Mas, agora, a irmã prevalece acima da mãe, e segurando a brasa fatal, exclama: "Voltai, Fúrias, deusas da punição! voltai para contemplar o sacrifício que trago! O Crime deve ser pago com crime.

Será que Eneu irá regozijar-se com a vitória de seu filho, enquanto a casa de Téstio permanece triste? Mas, ai de mim! para que desgraça estou sendo conduzida? Meus irmãos, perdoem a fraqueza de uma mãe! Minhas mãos não respondem. Meu filho merece morrer, mas, não serei eu a causa de sua morte. Mas, então, deverá ele viver, e triunfar, e reinar sobre Calidão, enquanto vocês, meus irmãos, vagueiam pelas sombras sem serem vingados? Não! viveste até hoje sob os meus cuidados; morre, agora, pagando pelo vosso crime. Devolve a vida que por duas vezes te dei, primeiro, no teu nascimento, e novamente, quando retirei a brasa das chamas."

Meléagro e Atalanta
ilustração de Jakob Jordaens (1593–1678)

"Oh, que tu então, tivesses morrido! Oh, que infortúnio! a conquista é vilã; mas, meus irmãos, vocês são vitoriosos." E, virando o rosto, lançou a brasa fatal sobre o fogo incandescente. Um gemido mortal foi ouvido, ou pareceu ser ouvido. Meléagro, ausente e sem desconfiar da causa, sentiu, de repente, uma leve pontada. Sente queimar-se, e somente através do audacioso orgulho vence a dor que o destrói. Lamenta apenas que pereça diante de uma morte sem sangue e sem honra. Dando o último suspiro, clama pelo pai já idoso, seu irmão, e sua adorável irmã, por sua amada Atalanta, e por sua mãe, a causa ignota de seu destino.

As chamas aumentam, e com elas a dor do herói. Ambos vão diminuindo e se extinguindo aos poucos. A brasa vira cinza, até que a vida de Meléagro é soprada pelos ventos errantes. Alteia, na conclusão do ato, usa as mãos violentas contra si própria. As irmãs de Meléagro choram o irmão com dor incontrolável; até Diana, apiedando-se do sofrimento daquela casa, que outrora despertara a sua fúria, os transformou em pássaros.

Atalanta[editar]

A causa inocente de tanta tristeza era uma jovem cujo rosto você poderia dizer que na verdade parecia masculino para uma garota, embora fosse feminino demais para um garoto.

Seu destino fora previsto, e revelado com estes dizeres: "Atalanta, não se case; o casamento será a tua ruína." Assustada com este oráculo, ela se afastava da companhia dos homens, dedicando-se somente aos esportes da caça. A todos os pretendentes (pois havia muitos) ela impunha uma condição que geralmente surtia grande efeito ao livrá-la de suas perseguições, -- "Eu serei o prêmio daquele que me vencer numa corrida; mas a morte deverá ser o castigo de todos que tentarem e falharem." Não obstante a terrível exigência, alguns chevagam a tentar. Hipomene deveria ser o juíz da corrida.

"Seria possível que alguém fosse tão estúpido a ponto de arriscar tanto por uma esposa?" dizia ele. Mas quando ele viu Atalanta colocar de lado suas roupas para a corrida, ele mudou de ideia, e disse, "Me desculpe, jovens, mas, desconhecia o prêmio de vossas disputas. "E ao analisar os competidores, desejou que todos fossem derrotados, e ficou cheio de ciúmes de alguém que parecia ser o provável ganhador. Enquanto pensava desse modo, a virgem iniciou a competição. E a medida que corria, parecia mais bela do que nunca. As brisas pareciam dar asas aos seus pés; seus cabelos dançavam sobre seus ombros, e os alegres contornos de suas vestes flutuavam atrás do seu corpo.

Um tom avermelhado tingia-lhe a brancura da pele, assim como quando uma cortina carmesim esvoaça sobre uma parede de mármore. Todos os seus competidores ficaram à distância, e foram mortos sem misericórida. Hipomene, não assustado com o resultado, e fixando os olhos na virgem, disse, "Porque te orgulhas de vencer esses preguiçosos? Eu mesmo me ofereço para a competição." Atalanta olhou para ele com um olhar de piedade, e não conseguia imaginar se poderia vencê-lo ou não. "Que deus poderia tentar alguém tão jovem e tão belo a ponto de se arriscar tanto? Tenho dó dele, não por causa da sua beleza (que era estonteante), mas por causa da sua juventude.

Gostaria que ele desistisse da corrida, ou se a loucura dele for tamanha, espero que ele possa me vencer." Enquanto ela hesita, revolvendo os pensamentos, os espectadores ficam impacientes com o espetáculo, e seu pai lhe avisa para que se prepare. Nesse instante, Hipomene dirige uma prece a Vênus: "Me ajude, Vênus, pois és tu quem me conduz." Vênus ouviu isso e ficou satisfeita. No jardim de seu templo, na sua ilha de Chipre, existia uma árvore com folhas amarelas, galhos amarelos e frutas douradas. Então, ela colheu três frutos dourados, e sem ser vista por ninguém, ofereceu-os a Hipomene, dizendo como usá-los.

O sinal foi dado; cada um deles inicia a corrida deslizando pelas areias. Pisavam com tanta leveza, que você poderia pensar que eles poderiam flutuar sobre a superfície do rio ou sobre a maciez das ondas sem afundar. Os gritos dos espectadores aplaudiam Hipomene, -- "Vai, vai, faça o melhor! rápido, rápido! você ganha dela! não relaxe! mais um pouco!" Ignora-se, qual dos dois, o jovem ou a donzela, ouviam estes aplausos com maior prazer. Mas ele começou a perder a respiração, a gargante ficou seca, e o ponto de chegada ainda estava muito distante. Nesse momento ele atirou uma das maçãs de ouro.

A virgem ficou toda admirada e parou para apanhá-la. Hipomene avançava rapidamente. De todos os lado irrompiam-se os gritos. Ela redobrou os esforços, e logo o alcançou. Novamente ele joga uma outra maçã. Ela pára novamete, mas, novamente torna a alcançá-lo. O ponto de chegada está próximo; restava apenas uma chance. "Agora, minha deusa," disse ele, "faze valer teu presente!" e atirou a última maçã para um lado. A jovem olhou para a maçã, e hesitou; Vênus a instigou a olhar de lado para a maçã. Ela o fez, e foi derrotada. O jovem havia conseguido o seu prêmio.

Mas os apaixonados estavam tão cheios de felicidade que eles esqueceram de fazer suas homenagens a Vênus; e a deusa ficou furiosa com a ingratidão deles. E fez com que eles cometessem uma ofensa à deusa Cibele. Essa poderosa divindade jamais foi insultada impunemente. E tomando deles a forma humana, transformou-os em animais com características parecidas com as suas: da heroína e caçadora, que triunfou sobre o sangue de seus pretendentes, ela transformou em leoa, e de seu amo e mestre, ela o transformou em leão, e os atrelou em sua carruagem, onde eles ainda podem ser vistos com todas as representações, em estátuas e pinturas, da deusa Cibele.

Cibele é o nome latino da deusa chamada pelos gregos de Reia e Ops. Ela era esposa de Cronos e mãe de Zeus. Nas obras de arte ela aparece exibindo um ar de matrona que a distingue de Juno e Ceres. Algumas vezes usando um véu, e sentada num trono com leões ao seu lado, e outras vezes passeando numa carruagem puxada por leões. Usa uma coroa mural, isto é, uma coroa cujas bordas são entalhadas em formato de torres e muralhas. Seus sacerdotes eram chamados de Coribantes. Lord Byron, ao descrever a cidade de Veneza, que foi construída numa ilha baixa do Mar Adriático, empresta uma das ilustrações de Cibele:

"Ela parece uma Cibele marinha saída do oceano,
Elevando-se com sua tiara de torres altaneiras
À uma pequena distância, com majestoso movimento,
Regente das águas e de seus poderes." 
--Childe Harold, IV.

Nas "Rimas na estrada," o poeta Moore, falando a respeito da paisagem alpina, se refere à história de Atalanta e Hipomene desta maneira:

"Mesmo aqui, nesta região das maravilhas, encontro
Tamanha leveza, e a fantasia passa a verdade para trás,
Ou, no mínimo, como Hipomene, a distrai
Com as ilusões douradas que lança em seu caminho."

Veja também[editar]

Notas e Referências do Tradutor[editar]