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A esperança

 

E a tarde cada vez mais calmosa,sem resfriar um instante, sempre ardente como os fógos do meu coração! E na natureza sem haver um bulicio! E o mar sem atirar uma brisa, que venha erguer aquellas cortinas! Milagre! Tremulam os pannos, que fecham aquelle sanctuario de virgindade e de amor. Eis que se erguem, que se affastam, e, á luz d'um clarão ignoto, eu posso vêr o riso de Deus, materialisado na mulher!

Porque não teem meus olhos mais avidez, para sorverem, para com mais pressa reproduzirem na mente, tanta ingenuidade, tanta harmonia de combinações suaves!

Que posição aquella! As pastoras da Arcadia, quando dormiam nos bosques imaginados pelos Theocritos, não se reclinavam com mais seductor desleixo. De que maneira aconchega as pregas do seu lençol! E' mais bonita que a flôr, coberta pelas azas douradas d'uma borboleta. A serpente, que se estende, cheia de molleza, pelo inclinado d'um cómoro, não tem mais graça que ella, na sinnosidade que descreve com seus joelhos. A novilha não tem mais arte estendendo para o beserro a ubera, do que ella no deixar cahir um dos pômos sobre a base do travesseiro.

Que somno delicioso, o placido somno que ella dorme! Por cima do braço esquerdo, enroscado no travesseiro, descança a sua cabeça, immovel como a cabeça que jaz n'areia, depois de ter descido dos hombros d;uma estatua de Praxiteles, rolada, impellida pelo dedo da revolução. Com o braço direito circumda o outro pômo, e faz da mão alabastrino sacrario, para a cruz d'ouro, que se deita na linha, que separa os dous pômos.

Mas apezar de toda esta belleza, debuxada com linhas tão graciosas pelos mil e um contornos delicados, que formam aquella estatua; mas apezar d'aquella postura arrebatadora, e sublime pela sua singeleza; mas apezar do symbolo do amôr — a cruz — que se levanta e desce com as pulsações do seio, aquella mulher não ama!

(Continua.)

F. M. de Sousa Viterbo.

 
 
Resposta ás observações do snr. Alberto Pimentel
 
 

Não foi v. s.a nem quem pensa da mesma sorte que me obrigou a escrever a carta que se publicou em o n.o 12 d'este jornal; eu cá tive minhas rasões para a escrever; porém aquelles que m'a inspiraram sentiram-se ao lel-a opprimidos pelo remorso e callaram-se por terem muito orgulho para darem uma satisfação. Bem sei, snr. Pimentel que os homens não teem receio que o sexo feminino lhes venha nunca a roubar a sua gloria, por que nem mesmo a Sapho lh'a pode offuscar.

Sei tambem que os homens litteratos gostam que a mulher s'instrua; mas alguns querem-n'a instruida até certo ponto; into é, que converse bem, que escreva com ortographia; porém, que não ouse dar publicidade aos seus escriptos e que se lembre que foi destinada para os misteres domesticos; mas o genio que não escolhe sexo e que ás vezes lhe trasborda na mente, faz com que ella s'esqueça por momentos da roca, para lançar mão da lyra e então esse genio sem estudos torna-a poetisa da naturesa.

A nobresa que o talento da' ganha-se pelo estudo pois se nós o não temos, não é de admirar que v.s.a tenha encontrado pouco correctas as producções do sexo feminino, quando muitas vezes as de grandes talentos masculinos teem defeitos. Se eu tivesse orgulho, ou désse algum valor ao que tenho publicado ficaria agora completamente desapontada; porém não acontecerá assim com outras senhoras que tiverem a consciencia d'escrever melhor e eu apezar de não ser competente para lhes fazer uma analyse, tenho ouvido elogiar as obras d'algumas a pessoas muito entendidas.

De V. S. muito veneradora,

Maria Adelaide Fernandes Prata.