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A esperança
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Nenhuma nação, em espaço tão curto, se illustrou mais que a nossa. Principalmente o periodo brilhante das descobertas é uma mina inexgotavel d'historia. Muitos homens d'aquella época perpetuaram com a penna os nossos feitos, mas ha muitas cousas ainda, que é preciso salvar do pó do esquecimento, ou desvestir das falas idéas e erros d'então. E se a historia só tem merecido a nossa incuria, que havemos de dizer a respeito da geographia? Que fastos d'esta sciencia a nós sómente é permittido esclarecer? Um povo, que dominava o oceano, que só elle sabia o caminho de muitas terras, os limites de muitos mares, as extensões de muitas praias, e cujos navios os corsarios estrangeiros atacaram muitas vezes, com o fim unico de lhes roubarem as suas cartas, traçadas por habeis pilotos, ha-de permittir que as nações extranhas lhe continuem a cercear as suas glorias maritimas? Ferdinand Denis no seu tratado de litteratura portugueza, assevera que ninguem em melhor circumstancias para compôr uma geographia universal, que este retalho da peninsula hespanica.

E o Porto, que foi berço do Infante D. Henrique, intelligencia vastissima, a quem o mundo inteiro consagra a admiração, que lhe é devida, motôr de todas as nossas descobertas e conquistas maritimas, não será o mais competente, para que entre a laborar no veio d'essas riquissimas minas; para que, com o seu exemplo, incite todas as pessoas illustres do paiz a proseguirem na mesma estrada?

Creio que sim, como todos devem crêr na pouca intelligencia do author, que traç estas linhas, movido apenas por um desejo inquebrantavel de vêr a sua patria no lugar que lhe foi marcado pelo destino.

Findarei por hoje. Se para outra vez não me escacear espaço de tempo e de papel, talvez volte ao assumpto.

Porto 18 d'abril de 1865

Peregrino.

 

 
Sexta-feira Santa

Qual o pio Christão que n'este dia
Ao Golgotha não leva o pensamento!
Para junto da cruz ajoelhar
Onde o martyr soffreu atroz tormento!

Legislador divino! Quem mais houve
Que lei tão justa, egual ao mundo desse?!
Mas eis do mundo a pagal n'essa cruz
Eil-o crucificado! Alli fenece...

E em antes d'expirar ao Padre eleva
Semi-abertos olhos e piedade
Com instancia lhe pede ferveroso
Para a fragil, pequena humanidade!

Vede, quanto elle é grande ante o Senhor!
Aos homens Deus mostrou sua grandeza,
Mostrou-lhes que era a luz; mal que expirou
De trevas cobriu logo a redondeza!

De refulgir o sol então deixou,
Por que outro de mais luz se extinguia,
Toda a terra oscillou; do templo o véu
Na Jerusalém impia se partiu!..

Com medonho estampido dos sepulchros
Resurgiram os mortos appar'cendo
Aqui, alli aos vivos que aterrados
Pedem a Deus piedade já tremendo;

Não mofam já de Christo; elles se curvam
Ante aquelle que á pouco apedrejaram;
Depois as gerações, uma, após outra
Sempre á cruz veneranda ajoelharam.

Porto 14 d'abril de 1865.

Maria Adelaide Fernandes Prata.