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A esperança

 

com elle, de que serve a fabula da morte de sua mulher?

Amaral com ideias mais delicadas tinha calculado melhor.

Aquelle alvitre de achar a consolação em novo matrimonio, quando vivia ainda a esposa de Amaral, revoltára Maria Isabel.

Quando as duas ficaram sós, disse Ermelinda:

― E por fim de contas ha-de casar logo que fique viuvo. Precisa de quem o console e de quem tome conta na casa; e ha-de fazer feliz a sua nova esposa: tem uma alma e um coração como não ha outro.

A donzella retirou-se descontente. Foi fechar-se no seu quarto.

O grosseiro modo de pensar da sua parenta desgotava-a. Estava, pensava ella, morrendo uma sua amiga e achava muito rasoavel que o marido d'ella pensasse já em dar-lhe substituta! Queria desculpal-a e não podia.

― E' minha bemfeitora, pensava comsigo, mas não posso deixar de conhecer que tem idéas muito abjectas.

No entanto escrevia Ermelinda a Amaral:

― «Não posso saber o que a pequena pensa de ti. Não disse nada depois que sahis-te, e fechou-se no quarto. Creio que está pensando que póde tratar d'outro arranjo. Que diabo!.. Tu tens ás vezes encartadas!.. Em vez de te utilisares do caminho que te abria, tapaste o caminho, e déste ás de Villa Diogo, sem quê nem para que, por esse mundo além!..

Recebeou poucas horas depois a seguinte resposta:

― «Minha velha Ermelinda, disseste que não espantasse a caça, e és tu que a espantas. Minha mulher está ainda viva e já fallas em dar-lhe successora!.. Aprende a ter maneiras mais dignas, e fallas mais delicadas, senão nada feito. A menina, a que chamas pequena, não é da tua estofa. Vê como te portas. Finge melindre e recato. Se ella te toma má fé, não faremos nada, e perderás o premio dos teus trabalhos e eu a recompensa do meu amor. Prudencia, pois. Até á noite.»

Dois dias depois recebia Maria Isabel uma carta de Carolina [ou que tomou por isso] em que lhe dava muitos conselhos, que todos se cifravam n'este: ― Amar e respeitar a bondosa fidalga que lhe dava abrigo e conservar-se na casa d'ella.

 

 
Desafogo

A.C.

Na cruz do teu caminho
eu fui rezar ha pouco,
perdòa ao triste, ao louco,
o desafogo santo.
Já que não sinto abrigo
nas azas do teu manto,
lá vou tecer meu ninho,
lá vou dizer meu canto.

E sempre que tu vás,
na cruz, onde só vivo,
pouzar cheia de paz
um osculo instinctivo,
sempre o fervor do pranto
te irá molhar a veste,...
ohl quem, senão elle, hade
pouzar em tua fronte
a c'roa, que reveste
os anjos da saudade!..

Mas se não mais lá fores,
nas horas de cansaço,
cingir com terno abraço
a cruz que o musgo enleia,
então, um dia, o vento,
que geme nos rosaes,
em vez d'um carme lento,
em vez de tristes ais,
hade levar meu ninho,
― e, d'entro d'elle, eu morto, ―
perdido, em desalinho,
d'encontro ao seio teu,
que nunca paira absorto
nas regiões do ceu!

Sousa Viterbo.