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A esperança
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Maria Isabel


Romance original por Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

(De pag. 179)

XXIII

Continua o remanso

Pouco depois de ter sido recolhida a orphã em casa do credor da sua familia, Francisco despediu-se d'ella e partiu na Carolina. Seis mezes depois estava de volta. Foi logo com sua mão visitar a sua antiga protegida, e alegrou-se de vel-a tão bôa e tão estimada pela esposa e filha de Custodio da Cunha. Adelaide convidou o marinheiro e Carolina para passarem o domingo seguinte em sua casa. Francisco recusou, dizendo, que destinava esse dia para ir com sua mãe fazer uma marendòla ao campo. Mas depois disse a sua mãe que disséra aquilo para desculpar-se; que não queria obrigar aquellas senhoras, tão bôas, a ficarem em casa por cause d'elles.

― Cada um deve andar, dizia elle, com os da sua egualha. Que figura fazemos nós entre aquellas senhoras? Lá uma vez de longe a longe, ainda em tal caso... mas não é para afiar. Antes ter vento e não navegar, do que navegar sem vento.

Estas ultimas phrases traduziu assim Carolina:

― Antes desejado que aborrecido.

N'esse domingo em que Francisco destinara o passeio no campo com a sua mãe, a comadre d'esta, e a bonita afilhada Carolina, conversada de Francisco, numero um foi a familia de Custodio da Cunha ao theatro. Havia um beneficio em pró d'um estabelecimento pio, não podéra Custodio da Cunha fazer menos do que aceitar um bilhete de camarote. Fizeram todos altas diligencias para que a orphã acompanhasse a familia ao theatro. Até Maximino, que nunca se mettia n'essas questões, lhe disse:

― Ora porque não ha-de v. exc.a fazer a vontade a meus paes e a Rufina? Elles a amam e só desejam o seu bem: se lhe pedem que os acompanhe, é porque nenhum mal lhe póde vir d'isso; e á nossa familia não fica bem que a deixe sempre em casa.

― Dizes bem, replicou o pae, podem até dizer que nós negociamos com as desgraças da nossa Maria, e que a temos em casa para nos trabalhar. Já basta de reclusão. Quero que saia.

― Quando aliviar o lucto: respondeu ella, mettendo-se no ultimo intrincheiramento.

― Pois já é tempo de deixar esses pannos pretos.

Maria Isabel prometteu tudo para o futuro, mas rogou tanto que a não obrigassem a ir ao theatro, que a deixaram ficar. Custodio da Cunha disse ao sahir:

― Vá por hoje, (ainda que é bem contra a minha vontade que fica sósinha) mas não quero que d'aqui em diante continue a parecer uma viuvinha do primeiro tempo. Tudo tem fim. E o lucto do corpo e da alma deve terminar.

― A donzella viu sahir os seus protectores com os olhos humidos. Mostraram-lhe tanto amor... Não os offenderia ella amando Maximino, e sendo por elle amada?.. Pois, apesar da reserva do mancebo, bem conhecia que lhe era em extremo cára.

Recolhera-se ao seu quarto entregue a estes pensamentos.

― Devo, pensava ella, dizer á snr.a D. Adelaide que me deixe ir para casa de Carolina... Custar-me-ha muito... Parecerei ingrata... mas antes parecel-o, do que sel-o.


XXV

Ou boçaes ou tratantes

Estava a filha de Ricardo d'Oliveira cogitando no que devia fazer e dizer, para que os seus bemfeitores se não agoniassem, quando ouviu fallar na escada, e pronunciar o seu nome. André, um criado que fôra da casa, recolhia-se ha dias alli, por estar sem amo; e era elle que fallava na escada com Rosa, a velha criada de D. Adelaide. Lembrou-se a orphã que a Rufina lhe esquecera o oculo ou o leque, que mandava

Primeiro Anno ― 1865.
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