Página:A Esperanca vol. 1 (1865).pdf/228

Wikisource, a biblioteca livre
228
A esperança

 

quando sobre ella te inclinas,
e tua alma em mim só pensa,
ao vêr na planicie immensa
surgir a luz da manhã.

Tu julgas que em seu murmurio,
como um grãosinho de areia,
te leva o Douro uma ideia,
que sae do meu coração....
No teu seio eburneo e casto
tua alma santa mal cabe...
bemdita quem tão bem sabe
comprehender a solidão.

Busca a sombra da floresta,
não fujas para a cidade,
onde o azul da immensidade
se converte em plumbeo ceu.
Vive entre as moitas flôridas,
inda que eu viva distante,
rouxinoes, a todo o instante,
serão echo ao peito meu!

F. M. DE SOUSA VITERBO.

Maio — 65.
 

 
Carlos e Laura

Toma minha querida, toma este ramo de flôr de limoeiro que eu colhi para ti; á noite deixa-o ao pé da cama. Come este favo de mel; achei-o no alto d'um penhasco; mas agora encosta-te ao meu seio, e eu descançarei.

(Bernardin de Saint Pierre)

Paulo e Verginia.


Eram n'este estylo todas as cartas de Carlos para mim; e seria um nunca acabar se tentasse dar-te uma ideia d'ellas! As de Laura continuavam com a mesma reserva.

Passados dous annos voltou elle de França; eu assisti á primeira entrevista dos dous jovens. Trataram-se com a amisade de verdadeiros irmãos; e eu cheguei até a suspeitar que na realidade já não sentiam um pelo outro senão amisade! Esta supposição deu-me felicidade, por que ambos deixava de soffrer.

Passados alguns dias reunimo-nos todos em casa de Carlos: fômos assistir a um esplendido jantar que os paes de Carlos deram para festejar a vinda do seu querido filho.

O jantar era variado, e abundante de esquisitas eguarias; o vinho brilhava nos crystaes, que despediam raios com o reflexo das luzes. Carlos estava defronte de Laura; eu observava-os. Os seus olhares encontraram-se por vezes, e perderam pouco a pouco a serenidade, e socego que até alli tinham exprimido: por fim os olhos do mancebo fitaram-se na joven com todo o seu ardor apaixonado; e Laura deixava-lhe lêr no seu todo o amor que lhe agitava o coração!

O veu do fingimento cahiu; as mascaras rasgaram-se; os dois irmãos desapareceram, e ficaram em seu lugar. duas almas que se entendiam sem que para isso precisassem de palavras; e a quem Deus tinha dito — Amai-vos!

Mas o pae de Laura? mas a sua vontade que se antepunha como sombra que anuviava a aurora d'amor que alvorecia para aquelles dous corações?

Eu tremia pela felicidade de todos.

Findo o jantar aproximei-me de Laura, e conduzia para o jardim que então estava deserto, e disse-lhe:

— Laura, que é feito de teu irmão?

A esta pergunta inesperada a joven estremeceu; com ella accordava-lhe eu as suas promessas, a que, a consciencia lhe dizia tinha faltado.

— Não tens saudades d'elle, perguntei de novo.

— Ha tão pouco tempo que o vi, que não comprehendo as tuas perguntas! me disse ella.

— Não, Laura, tu não viste ainda hoje o teu irmão: esse está muribundo... ou quem sabe se já morreria... O que eu temo é que com elle morra a tua felicidade...

— Agora comprehendo o que tu me dizes minha Maria, me tornou a donzella. Eu tambem me assusto com a mudança que hoje noto em Carlos. Mas... para que negar-t'o? Este susto é acompanhado de felicidade.

— Mas, Laura, a vontade de teu pae? Não achas que é preciso salvar teu irmão? Elle é tão necessario á tua felicidade!

— Dizes bem, Maria, murmurou a minha amiga, e eu sou bem infeliz por assim me ser preciso occultar um amôr que é tão puro.