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A esperança
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Carlos e Laura

Toma minha querida, toma este ramo de flôr de limoeiro que eu colhi para ti; á noite deixa-o ao pé da cama. Come este favo de mel; achei-o no alto d'um penhasco; mas agora encosta-te ao meu seio, e eu descançarei.

(Bernardin de Saint Pierre)

Paulo e Verginia.


Carlos conduzia pelo braço uma joven senhora, e veio assentar-se com ella no mesmo banco em que eu e Laura estavamos.

N'este momento chamou-me a mãe de Carlos, e eu apressei-me a ir ter com ella.

Quando voltei para o meu logar a joven senhora tinha deixado o seu, e Carlos estava junto de Laura. Carlos tinha entre as suas uma das mãos da donzella. As faces da moça eram duas papoilas.

Comprehendi tudo; tinha havido entre ambos uma declaração!

Carlos levantou-se, e Laura deixou cahir a desfallecida cabeça sobre o meu hombro. Peguei-lhe nas mãos, estavam geladas!

Assustada perguntei-lhe o que tinha.

— Não é nada, não te assustes, me respondeu, com a voz ainda tremula pela commoção; é que o amôr fez monopolio do meu sangue, e levou-o todo para o coração... Tinhas razão, minha amiga, quando me dizias que o meu irmão estava muribundo: agora digo-te eu... que morreu!

— Que palavras as d'este homem! Tão de fogo!!... Meu Deus, o que eu sinto no coração.

E Laura tornou a deixar pender a cabeça sobre o meu hombro.

A vossa conversação durava ha muito? — lhe procurei.

— Poucos momentos: a duas almas que se comprehendem bastam segundos. Se visses, Maria, como elle me âma!

— E tu?

— Eu?! Tu bêm sabes que lhe deu o coração. Dei-lh'o esta noite, agora mesmo. Perdôa Maria, perdôa a minha franqueza; mas era forçoso responder!

Forçoso?

— Sim. Carlos veio assentar-se junto de mim, e tomou-me uma mão que eu me esqueci de retirar. — Tens-me muita amisade, Laura, me perguntou elle. Eu respondi-lhe affirmativamente. — E amôr? um amôr como nunca te suppuz.

A esta pergunta o coração parecia querer saltar fóra do peito! O mundo, com todas as suas materialidades sumiu-se a meus olhos, e um paraiso de poesia, e amôr occupou o seu logar.

Toda esta gente que passeia no jardim desappareceu!... Juro-te que não via mais ninguem se não Carlos, e que me julguei n'esse paraiso só com elle e com o nosso amôr. A commoção tolheu-me a voz, e Carlos repetiu a mesma pergunta sem que eu respondesse.

— Julgas-me louco? Não respondes? Laura, jura-me que serás minha, minha e de mais ninguem.

Se ouvisses a sua voz n'este momento, Maria? Que harmonias haverá tão sonoras como as da sua voz? que expressão mais seductora, mais apaixonada do que aquella que seus olhos possuiam n'este momento!

E tu, Laura, esqueceste que tantos olhos estavam fitos em ti? que teu proprio pae podia reparar no vosso enleio?

— Se eu te juro que não via mais ninguem: via-o só a elle.

— E que lhe respondeste?

— Que eu não era senhora senão do meu coração.

— E esse, me perguntou elle, é meu?

Uma nuvem passou-me diante da vista; o sangue subiu-me ás faces, e eu não sei o que lhe respondi!...

Supponho que foi affirmativamente, por que as suas mãos apertaram a minha com uma expressão de reconhecimento.

N'esse instante chegastes tu, a tua voz chamou-me á realidade da vida... despertou-me d'aquelle sonhar acordado; e eu vi então que estava ao pé de ti, e rodeada de muita gente.


Primeiro anno — 1865
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