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A esperança
359

 

ta que o ferve, insta, aperta com ella para que veja o que vem dentro d'esta caixa, e qual é o presente, de que se lhe dá annuncio: abre, não sem se lhe arripiarem as carnes de susto, e lê este bilhete:

«Aqui tens o coração, que te adorou sempre, e que só suspira por ti: negar-lhe-ha a inflexivel Melania algumas lagrimas?

O coração do conde! exclama Melania: era este com effeito a triste dadiva, que lhe mandava. Perde então ella o uso da palavra, e dos sentidos, e trasladada que fosse ao seu leito, ahi expira passados poucos dias, sem poder proferir outras, senão estas palavras: Conde? O meu Deus!

Fim.
 

 
A uma amiga
 

 

O' quanto s'empenhou a natureza
Em formar-te a mais bella entre as formosas!
Dando-te uma alma pura,
Uns olhos d'encantar! Que gentileza!
Que niveas, rubras faces tão mimosas!
Que rosto de candura!

E como sem vaidade te apresentas,
Nem teu espelho diz quanto és formoza!
Se tu és tão modesta!
Do coração os dotes só ostentas,
P'ra ti só a virtude é valiosa,
Mostras-te sempre honesta!

E quem digno será de possuir-te
N'um mundo seductor, perverso, ingrato
E fruir tua mão?!
Mas ao vêr-te, ninguem póde fugir-te
Sim que na idea leve o teu retrato
E d'amor a paixão!..

Embora! Deixa-os amar-te,
Não te illuda o seu amor.
Que só tem penas a dar-te,
Suspiros, saudade e dôr!..
Deixa livre o coração,
Deixa-o folgar sem paixão;
Goza a tua mocidade
Como os anjos, sempre pura
E volverás com ventura
D'aqui para a eternidade;
Mas se nasceste p'ra amar;
Áma do céo uma estrella,
Aquella que mais brilhar,
Ou ama a flor mais bella
Que no val desabrochou;
Ama a brisa que agitou
Os teus cabellos dourados
E ama a lua que no lágo
Deixa com encanto mago
Fulgir raios prateados.

Ama tudo é donzella e cautelosa
Evita dos mortaes o amor profano,
O amor de seducção;
Sê como aérea fada vaporósa
Que não ousa tocar um ente humano!...
Virgem, d'est'arte entrega o coração!

Maria Adelaide Fernandes Prata.

 

 
Memorias d'um poeta
 

 
I

Descahia uma tarde de primavera. O sol vinha poisar o seu ultimo beijo de luz nas boninas timidas da varsia, e sumia-se, com um ar d'amarga tristeza, por de traz dos cabeços verdes das serras. Ao longe, por entre a sonora ramagem do souto, subia o fumo branco da granja; as arvores da beira da estrada tremiam levemente como que a entomnar no espaço muzicas e aromas...

Ao pé d'uma montanha gigante erguiam-se as ruinas em flor d'um mosteiro antigo.

Não longe, por entre choupos e larangeiras, descobriam-se as paredes alvadias d'um predio rustico, que por perspectiva graciosa e pittoresca muito parecia ser habitação de poeta ou de pintor.