Página:A Esperanca vol. 1 (1865).pdf/365

Wikisource, a biblioteca livre
A esperança
365

 

d'antes era recebido como um irmão, e agora esta ceremonia! Irei, sim; irei já.

Chegou á porta da sala de vizitas, e hesitou ainda, mas envergonhada da sua fraqueza, empurrou a porta, e entrou.

― Como está o senhor convalescente? ― disse ella com voz alterada, offerecendo a mão ao filho do marquez.

― Perfeitamente restabelecido, minha senhora ― respondeu o mancebo apertando-lhe a mão respeitosamente.

Essa mão tremia, e Clotilde apressou-se a retiral-a.

Os olhos da menina estavam cravados no chão, e o seio arfava-lhe com força.

Paulino contemplava-a em silencio; silencio que durou entre ambos alguns momentos. Foi a moça quem o quebrou, dizendo:

― Que bella manhã trouxe, senhor Paulino.

― Eu tenho sempre anjos a pedirem por mim, minha senhora ― respondeu o mancebo, sorrindo. Já as suas orações me roubaram do poder da morte, que etaa prestes a ceifar-me d'entre os vivos.

― E não tinha pena de morrer, snr. Paulino?

― Se estivesse em uso de rasão, teria muita, minha senhora; mas no estado em que estava não sentia nada, era indifferente a tudo!

Ambos tornaram a ficar calados; o que um e outro sentiam, não era possivel narral-o. Se Clotilde levantasse os olhos, veria a ternura com que o mancebo a fitava, e já não duvidaria do seu amôr; mas ella evitava com todo o cuidado que as suas vistas se encontrassem com as d'esse mancebo, a quem ella tanto amava, porque então os olhos diriam esse segredo que ella tanto queria occultar.

Deixemos pois permanecer os dois jovens no seu amoroso silencio, e nós vamos, ainda que fraco pintor, retratar o filho do marquez:

Era um moço de vinte a vinte e dois annos; de mediana estatura, mas de gigantesca intelligencia. Não era tão formoso como sua irmã, mas parecia-se bastante com ella; tinha tambem o cabello e os olhos castanhos, e as suas vistas eram tão meigas como as d'ella. Os labios delgados eram sombriados por um pequeno buço, que dava muito realce á pallidez do seu rosto. Dotado d'um genio arrebatado, qualquer rasão applicada com brandura o fazia conter, e convencer. Era generoso, sem ser predulario; compassivo, sem d'isso se vangloriar. Odiava o orgulho mal fundado, e respeitava a pobreza virtuosa.

Nas conversações serias, mostrava uma sisudez, conhecimentos tão profundos que não pareciam d'um moço de tão verdes annos! Junto dos seus companheiros era o mais alegre e folgazão.

― Ainda não tinha saudades dos nossos sitios? ― procurou a menina, tentando atar o fio á conversa.

― Muitas, minha senhora. Era impossivel não as ter.

― Mas não quiz acompanhar o snr. marquez! ― tornou a menina.

― Eu não me sentia em estado de fazer a jornada: mostrava mais forças do que tinha para socegar meu pai: e dei por pretexto para não vir, o querer fazer acto.

― E fel-o?

― Não, minha senhora.

O snr. Cunha entrou na sala.

― Como está nutrido! ― dizia elle abraçando o mancebo, ― a enfermidade não o abateu nada!

Clotilde mais socegada com a presença de seu tio, olhou então fixamente para Paulino, e fez a mesma observação que o seu tutor; o moço estava realmente muito nutrido.

Quando fazia este exame, seus olhos encontraram o olhar terno do joven, e tornou-se vermelha como uma cereja. Envergonhada por elle a surprehender: observando-o, saiu á pressa da sala.

O almoço correu silencioso, só o snr. Cunha interrompeu aquella mudez com alguma banalidade. Finda que foi a refeição, Paulino despediu-se; e, Clotilde, fiel ao que tinha promettido á sua amiga, não o instou para que ficasse mais tempo.