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A esperança
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lá o enterter, não sabe sobre que pretexto. Nós vamos vestir-nos por que são horas, e os convidados não tardarão a chegar.

Quando as duas meninas pregavam os toucados, entrou Mauricia e disse-lhe:

― Já chegou o visconde de Fornos, e a familia.

― Anda, Clotilde, vamos depressa, por que quero gozar da surpresa de Paulino.

O mancebo ajudado a descer d'um elegante carrinho as duas filhas do visconde de Fornos, quando as duas amigas chegaram a uma das janellas.

As filhas do visconde vinham envolvidas em grandes chailes, e como era já quasi noite não percebeu Paulino os ricos vestidos que ellas trajavam, no entanto, surprehendido, procurava ás duas meninas a causa d'uma visita tão inexperada!

― Pois ha tão poucas horas que nos vimos, e vossas excellencias não me fallaram n'esta visita! ― dizia o mancebo. Aqui ha mysterio, acrescentava elle.

― Foram as saudades por vossa excellencia que aqui nos trouxeram, respondeu Eugenia, (filha mais velha do visconde).

― Não o acredito, minha senhora, ainda que isso era bem lisongeiro para mim, disse a rir o mancebo.

As duas meninas e Paulino subiram as escadas, e o moço não ficou menos admirado quando viu Clotilde, e sua irmã vestidas para baile.

N'este momento ouviu-se no pateo o rodar d'um carroção.

― E' o barão do Franco, disse Clotilde, chegando a uma janella.

― Cortem-me as orelhas, se entendo isto! repetiu Paulino, tornando a descer as escadas para ir comprimentar as novas damas que chegavam.

― Andai tirar os vossos chailes, antes que subam as outras nossas amigas, dizia Josefina ás filhas do visconde.

Quando o barão de Franco e sua familia entraram na sala de baile, já lá estava Josefina, e as suas tres amigas: a menina depois de abraçar as que chegavam, procurou a seu irmão, que no auge da surpresa olhava admirado para o salão brilhantemente illuminado.

― Já decifraste o enygma?

― Já, e não sei qual é maior, se a minha surpresa, ou meu reconhecimento á tua ternura, e as bondades de nosso pai.

O marquez entrou no salão precedido de numerosos amigos, e dando o braço ao visconde de Fornos.

Este era um homem de 50 annos, baixo e grosso; os olhos grandes e redondos, afastados um pouco do nariz, revirado, davam-lhe á primeira vista a apparencia d'uma ave de rapina! O rosto excessivamente córado e quasi sem barba, tinha uma expressão de maldade tão pronunciada, que fazia lembrar ao vêl-o, um condemnado ao patibulo. Tinha só duas filhas. Eram bellas e elegantes: d'indoles bem formadas, mas com pessima educação. Desde criancinhas haviam-lhe feito todas as vontades, e tinham por isso ridiculos caprichos. Eram vaidosas porque seu pai estava sempre a elogiar a sua formosura; orgulhosas, porque lhe fallavam de continuo das suas immensas riquezas. N'este baile, em que as apresentamos, estavam ellas ricamente vestidas. Ambas traziam vestidos de velludo côr de violeta, guarnecidos de custosas rendas; os brilhantes e perolas cobriam-lhe os bellos braços. Eugenia, trazia ao pescoço uma enfiada de coraes. Margarida, um rico colar de esmeraldas. Flores de perolas e coraes, enfeitavam seus louros cabellos.

O barão do Franco, mais velho do que o visconde, não tinha a má apparencia d'este, mas era uma cara antipathica, e um ente nullo para a sociedade. Tinha tres filhas, e um filho, pouco mais sympathico que o pai, e insupportavel por sua presumpção, e parvoice. Suas irmãs eram bellas, grosseiras e escarnecedoras: vestiam com luxo, mas sem gosto. A baroneza, senhora já idosa, de genio indolente, e espirito vulgar, não fazia mais que admirar as picantes graças de suas filhas.

A's nove horas estavam reunidas todos os convidados e o baile começou. O marquez, o barão, o visconde, e outras pessoas que não dançavam, jogavam em uma sala contigua á do baile.

No fim da primeira contradança, Clotilde foi assentar-se numa cadeira que estava collocada no vão d'uma sacada. Pela janella aberta mirava distraida o firmamento, e parecia indifferente ao que se passava no salão.