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A esperança
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embaraços em que se via seu marido. O credito d'um negociante, é como o d'uma donzella: a mais ligeira indiscripção o pode tornar duvidoso, e da duvida ao descredito, a distancia não é longa.

Adelaide sabia-o. Tratava tambem ella a mulher honrada e virtuosa, com o maior agrado o homem devasso, porque estava encolvido em negocios com Custodio da Cunha, e talvez viesse um dia tomar-lhe contas como credor.

― Que excellente esposa tem o sr. Custodio da Cunha!.. disse Amaral, entrando no escriptorio: E então é ainda formosa como uma rapariga!

― O que ella é, respondeu o marido de Adelaide, é uma santa.

Este elogio na bôca do homem rigido, que nunca elogiava, particularmente os seus, queria dizer muito. Amaral curvou-se em signal de assentimento; e tornou, passada uma pequena pausa:

― Sua filha toca muito bem.

― Toca o preciso para se entreter. Não ha-de passar a vida ao piano.

― Por piano lembra-me o rico piano de Ricardo d'Oliveira. Ficaria com elle, senão chegasse a grande preço.; mas oxalá que tudo vá pelo treplicado do seu valor. A's vezes succede isso com as coisas vendidas em leilão. Ha lá coisas lindas! Aquelle homem gastava como doido, ou antes como tratante. Gastava á custa da barba-longa.

― Por nosso mal. Aquelles trastes custaram-nos o nosso dinheiro, snr. Amaral; porém, ainda estimo mais ser o roubado que o ladrão.

― Ricardo d'Oliveira não foi só o culpado. Sua mulher e filha... A proposito! Que é feito d'ellas? O snr. Custodio da Cunha não soube para onde se retiraram?

― Que nos importa a nós isso?! Se fossem algumas notas ou libras, então podiamos ter interesse de saber aonde paravam.

― Mas, snr. Custodio da Cunha, desconfio da sua desapparição. Ninguem me deu noticias d'ellas! Viram-n'as sahir á noite e ninguem soube para onde se retiraram. Este misterio faz-me desconfiar de que ellas subtrahiram grandes valores, como o snr. Custodio da Cunha o dizia hontem.

― Pois eu agora estou persuadido que não levaram nada. São duas infelizes. Deixemol-as, e fallemos dos nossos negocios.

No entanto Adelaide dizia a seu filho:

― Não podemos por ora soccorrer as senhoras por quem te interessas. Deixemol-as nas mãos de Deus.

Maximino correu a mão pela testa, e foi fechar-se no seu quarto.


VI
Abrigo pobre, mas seguro

Um mez depois estava Maria Isabel e sua mãe trabalhando no ultimo andar d'uma casa na rua Escura. Este andar era uma especie d'aguas-furtadas, ou torrinhas muito velhas e deslavradas. Para chegar lá subia-se escada ingreme e estreita. Toda a morada consistia n'um quarto grande, onde trabalhavam as duas senhoras, um quarto ainda mais pequeno e uma casinha microscopica. Ainda assim tinha este andar algumas vantagens sobre os inferiores. Era muito mais alegre e arejado, e o seu aluguer era mais pequeno.

D. Maria Carlota tinha sahido do seu estado de desesperação, para ficar n'uma profunda hipocondria.

Sua filha se exforçava em balde por fazel-a participar da resignação e conformidade de que gosava.

A mocidade é toda vida e esperança, quando mesmo a existencia seja colmiada de tristezas e não se saiba o que se possa esperar.

Ainda não eram oito horas da manhã e já tinham almoçado um bocado de pão de sêmea com uma beberagem chamada café. Estava defronte d'ellas, em pé, com capa e lenço, Carolina, a dona do pobre albergue. Era alta, secca e tez morêna. Tinha modo sacodido e voz aspera. Fallava com certa arrogancia e doutorice ridicula. A vaidade era o primeiro de seus defeitos,