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A esperança

 

― Appareça-lhe, e deixe o mais por minha conta.

― Não devo. Meu pae nunca consentiria que... nos amassemos. E tambem não sei de que genero é a sympathia que me attrahe para ella. Sinto immensa compaixão pela vêr tão infeliz, e desejava-lhe dias de ventura.

― Se não é mais que isso... Também cá a pessoa lhe deseja o mesmo.

Tinham chegado á porta da casa de Carolina.

― Entre, snr. Maximino, não fique cá fóra a apanhar o vento sem navegar. Não sei para que Deus ha-de desperdiçar este vento fresco na terra, sendo ás vezes tão preciso no mar alto.

― Não só entro hoje, mas subo ao primeiro patamar, para não teres, meu bom Francisco, o trabalho de desceres tanto; porque de certo te demorarás para estares algum tempo com tua mãe, e deves demorar-te.

O marinheiro sorriu maliciosamente, e replicou subindo:

― Suba ao segundo; mas cautella, não se esbarre.

― E foi subindo os degraus dois a dois, dizendo comsigo:

― Não o confessa, mas está preso com amarra de bom canhamo. Amanhã, trepará a gavea.

Abriu a porta do pobre albergue chamando por sua mãe. Ninguem respondeu.

― Sahiriam ambas?! disse entre dentes, mas deixaram a porta aberta... e a snr.a D. Mariquinhas de certo não sahia já hoje.

Chamou mais alto. Nada de resposta. Olhou com inquietação para todos os lados. Maximino começou tambem a ssustar-se; subiu mais alguns degraus, e parou um breve instante. Fel'o, porém, subir, d'um salto o resto da escada á voz de Francisco, que bradava:

― Acuda, senhor Maximino! A sr.a D. Mariquinhas está por morta!

― Está morta?! gritou o filho de Custodio da Cunha, precipitando-se para o leito em que jazia Maria Isabel, morta ao abandono!!..

― Sinto-lhe bater as fontes, disse o marinheiro. Isto ha-de ser flato. Viu-se aqui sósinha e triste, e perdeu os espiritos. Bem disse á snr.a mãe que não sahisse hoje; mas não pára no ancoradouro.

― Está tão fria!...

― Tem a testa muito quente. Não está morta. Desapertemol-a e demos-lhe umas esfregações ás pernas.

― Não! bradou Maximino, detendo as mãos do marinheiro, e fazendo-se rubro.

― Pois desaperte-a v.s.a Eu o que fazia, era por bem.

― Não, Francisco. Nenhum de nós fará isso.

― Mas que mal ha n'isso? Olhe que é remedio muito prestadio. Quando á snr.a mãe lhe deu uma vez um faniquito por me ver de repente, julgando-me já no bucho d'alguma balèa, cortei-lhe com uma navalha fitas e cordões, tirei-lhe as meias e puchei-lhe nas barrigas das pernas com coragem, e ella abriu logo os olhos. E' verdade que depois me ralhou muito pelos estragos que lhe fiz na roupa e na pelle; mas podiamso agora fazer isso com mais amôr.

Maximino, que esfregava as mãos da desmaiada, e lh'as bafejava para aquecel-as, respondeu:

― O que se póde fazer a uma mãe, não é permittido pôl-o em pratica com uma menina, que, se estivesse em si, o não permittiria.

― Com a breca!. E' melhor deixal-a esticar?! Se eu entendo a affeição do snr. Maximino que me enforquem na verga do mastro grande.

― Ajuda-me a leval-a para perto da janella. Agora eu sustento-a só. Faze favor d'ir buscar um copo d'agua.

― Copo não será facil, mas agua trago-lh'a n'um éste.

Tinham-n'a assentado, Maximino lhe amparava a cabeça com um braço, chegando-a a si. Pegava-lhe, ora n'uma, ora n'outra mão, esfregava-a pelo rosto e lhe bafejava. Francisco, da porta que dava para a cosinha, onde ia buscar agua, voltou a cabeça e sorriu malicioso. Foi muito de vagar lavar uma caneca e enchel-a d'agua, dizendo comsigo:

― Morre por ella! Deixal-o ao menos bafe-