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A esperança

 

cipitou-se fóra do quarto. Tinha já a certesa de que amava, e amava sem esperança.

Francisco chegou antes de sua mãe. Maria Isabel já estava com o seu trabalho.

― O snr. Maximino?! ― perguntou assombrado o marinheiro.

― Foi-se embora.

― Já?!..

― Pedi-lhe que me deixasse. Sentia-me já boa.

― Mas elle não devia sahir tão depressa... Ama tanto a snr.a D. Mariquinhas... não lh'o disse?

― Não, snr. Francisco... nem devia fazel'o. O seu amor, nas minhas circumstancias, seria uma desgraça; se me fallasse n'elle far-me-ia uma offensa. Espero que essa desgraça não exista, assim como não teve logar a outra offensa.

O moço marinheiro ficou a olhal-a boquiaberto.

A chegada de Carolina impediu-o de continuar com o mesmo assumpto. Receiava despertar o humor desconfiado de sua mãe, contraria aos amores dos jovens. «Não se devia querer bem, dizia ella, senão depois de ter ido á igreja dar o sim.»

XII
Alvitres de Carolina

Logo que Carolina ficou só com a menina, disse-lhe com o seu modo doutoral, que tinha muita pena de dizer-lhe que não era possivel que ella tornasse a ficar só em casa; e uma vez que não queria ir trabalhar fóra com ella, não tinha remedio senão acceitar o offerecimento da snr.a D. Ermelinda, d'ir viver em sua casa. Maria Isabel poz-se a chorar.

― O que lhe digo é para seu bem, snr.a D. Maria Isabel. Dão-lhe flatos quando está só, e isso não é bom para a saude; uma menina doente e pobre, não acha marido. Os flatos só os podem ter as pessoas ricas. Os homens não querem mulher achacada, se não tem chelpa.

― Eu não quero casar, snr.a Carolina.

― Pois não deve querer outra coisa. O casamento é o desembargo do paço das raparigas. E não é preciso ter só saude para achas marido, tambem é preciso ter boa fama, e v. s.a desacredita-se na minha casa.

A donzella estremeceu. Olhou, córando, para Carolina, cessando de trabalhar; e cobriu o rosto com pasmo e confusão. A lembrança da visita de Maximino a perturbava.

― Sim, senhora D. Maria Isabel, perde a sua boa fama aqui. Saio para o meu modo de vida, e v. s.a fica só. Vem meu filho, vem o visinho Alfredo, e virão outros, estar aqui á palestra.. Isto não é bonito.

― Posso fechar a porta a todos, menos a seu filho. Diga-lhe a snr.a Carolina que não suba quando eu estiver só.

― O melhor, menina, é ir para casa da sr.a D. Ermelinda. Lá estava melhor, e mais honradamente.

A triste menina cobriu o rosto banhado de pranto e balbuciou:

― Irei para onde quizerem.. O' minha mãe!.. minha mãe!..

― Valha-a Nossa Senhora dos Remedios!.. Não chore assim! As lagrimas não dão vida a ninguem. Se eu tivesse estragado a vista assim a chorar pelos meus defuntos, bem aviada estaria agora! Meu filho, valha a verdade, da-me quanto póde; mas não quero fazer-lhe muitas despesas, porque a sua soldada não é grande, e são rapazes... gostam de tafular e de fazer a sua franciscanada de tempos em quando. E mais dia, menos dia, casa: e agora o verás!.. Eu bem sei o que são nóras!

― E eu tenho feito muitas despesas ao snr. Francisco... Muitas vezes pensava n'isto; mas... Irei para casa da viuva de meu tio até achar uma casa que me queira por mestra... ou mesmo por creada.

― Isso não. Estará muito bem em casa da snr.a D. Ermelinda, que é uma senhora ás direitas!.. Deve ir hoje mesmo para lá. Se meu filho