Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/289

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nós.» E eu respondi: «Quem sabe? O machado vem, quando menos se espera.»

— Como te lembras bem d’essas coisas! — disse o conselheiro, sorrindo constrangidamente, porque não agourava bem do exordio que abrira a entrevista.

— Ai, eu tenho boa memoria!

Houve um momento de silencio, que Vicente interrompeu subitamente, dizendo:

— Mas a final o que te trouxe hoje aqui?

O conselheiro respondeu com resolução:

— Vêr-te, como disse, e ao mesmo tempo falar-te de um objecto grave.

— Sim? E commigo é que vens tratar os objectos graves?

— Por que não? sempre foste homem de bom conselho.

— Nem sempre, Manoel, ou nem sempre pensaste assim.

— Não poderás dizer que deixasse alguma vez de te respeitar. Os nossos genios differem, os nossos diversos habitos da vida ensinaram-nos a pensar diversamente a respeito de muitas coisas. D’ahi procedem divergencias naturaes, que comtudo nos não obrigam a deixar de nos estimarmos, julgo eu.

— Bem, então dizias tu que vinhas?...

— Trata-se de um negocio de muita importancia, Vicente.

— Dize.

— Responde-me primeiro: tens ainda animo para sacrificios?

— Pouco tenho que sacrificar.

— Tens, e é um sacrificio doloroso.

— Acaba.

— Trata-se de te desapossar d’esta casa e d’este quintal, para abrir por aqui a estrada em projecto.

O herbanario, contra a expectativa do conselheiro, acolheu sem surpreza estas palavras, e respondeu, com certa ironia: