Página:A pata da Gazela.djvu/59

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curava um punhal no seio; felizmente só achava a carteira, a adaga de ouro com que neste seculo se assassina mais cruelmente.

Depois de consumir as horas em suas indagações, ia contemplar o botina, prenda querida de seu amor e proseguia á noite sua porfia incansavel. Corria os espectaculos e bailes, com o olhar rastejando para descobrir por baixo da orla do vestido, o ignoto deus de suas adorações. Não dansava para observar melhor o arregaçado dos vestidos; de ordinario andava pelas escadas e portas, afim de aproveitar o ensejo da subida e descida; muitas vezes ia fumar junto ao logar onde se collocavam os lacaios, na esperança de conhecer o portador da botina.

Quando as rainhas da moda, as deusas do salão, sorprezas e attonitas o viam passar sem distinguil-as com uma palavra ou uma fineza, elle, atirando-lhes um olhar de compaixão, dizia comsigo:

— Coitadas ! não sabem que o leão viu a pata da gazella e fareja-lhe o rastro. Que lhe importam as garras da panthera?...

Recolhendo, Horacio accendia duas velas transparentes e collocava-as a um e outro lado da