Página:A pata da Gazela.djvu/97

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contemplação desse fragmento, recompõe o ideal do artista. Admira-se a Vênus de Milo, como se admira um esboço não acabado de Rafael; como se admira a pétala de uma rosa, arrancada da corola. Mas, fosse embora aquele primor de estatuária a reprodução exata de uma mulher, a mutilação respeita a beleza; o aleijão a deturpa. Se a mulher que se ama perdesse um pé, seria desgraçada; com um pé monstruoso, é mais do que desgraçada, é repulsiva.

Leopoldo deixava-se convencer por estas sugestões:

— Infelizmente assim é. Mas por que há de ser assim? A mutilação é um fato humano; o aleijão é um fato natural. Essa aberração do princípio criador, esse desvio da forma primitiva, indicam sem dúvida um vício na essência do organismo. Não se tem verificado que nos corpos mal conformados de nascença habita sempre uma alma enferma? Nos corcundas sobretudo, porque a espinha dorsal é o tronco da inteligência. A deformidade de um membro, de um ramo apenas, não denota eiva tão profunda do espírito, é certo, mas revela que a alma não