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Leminski pode significar que a concisão não tem a ver apenas com brevidade, mas também com exatidão: as palavras que explodem, mais-que-perfeitas, no céu dos cinco mil sentidos (MARQUES, 2001, p. 93)

Ou seja, a “transformação” indica uma “insistência metalinguística” implicada numa reescrita. Isto é, o que caracteriza a recorrência do tema “mistério” é que os poemas são reescritos. Essa reescrita, por sua vez, é índice de uma preocupação do próprio poeta Paulo Leminski em constituir com “exatidão” o seu texto poético: utilizar-se das palavras “mais-que-perfeitas” para constituir sua poesia com perfeição. Tal “exatidão”, por sua vez, caracterizaria uma das “faces” dessa poesia “poliédrica”, que seria a face do “rigor”. É uma leitura que responde aos propósitos analíticos de Fabrício Marques, em delimitar a constituição estética da poesia leminskiana. Seu estudo enfoca as relações intertextuais, que são vertidas em “linhas de força”.

Dessa leitura podemos depreender que “rio do mistério” e “Suprassumos da Quintessência” seriam o mesmo poema, aspecto que revelaria uma atitude atenta do poeta ao escrever sua poesia. Por outro lado, não entram em discussão os efeitos de sentido que cada poema pode constituir. Diante disso, é possível problematizar a relação entre eles. Talvez olhando para os efeitos de sentido que cada poema constitui, seja possível levar a discussão para outros caminhos que possam contribuir com outras maneiras de entender a poesia de Leminski. Se há uma recorrência da temática do mistério, o que isso significa em termos de possibilidade hermenêutica?

Dois mistérios

No ano de 1963 Leminski participou da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada em Belo Horizonte sob organização de Affonso Romano de Sant’Anna. Foi quando o curitibano conheceu o trio concretista – os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, e Décio Pignatari – contato que lhe rendeu a oportunidade de estrear como poeta no ano seguinte, em 1964, na revista Invenção, mantida pelos poetas concretos. Daí em diante Leminski passa a se preocupar em constituir sua própria dicção poética. Para tanto, articula um referencial amplo e eclético, que abrange não apenas o Concretismo, mas perpassa o Tropicalismo, contracultura, poesia Beat, haikai japonês; a Semiótica de Charles Sanders Peirce, “pensamento” zen, para elencar alguns. Trata-se de um período que se estende de 1964 até o início da década de 1980, quando Leminski publica em edições independentes dois livros: Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase e Polonaises.

Basicamente é um período de formação, em que o poeta se preocupa em constituir

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Anu. Lit., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 154-169, 2016. ISSNe 2175-7917