Página:As Minas de Prata (Volume V).djvu/174

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passava à porta de sua casa. A nuvem que um instante toldara o seu pensamento se dissipara; recobrara a calma e serenidade da consciência pura. Depois da ceia frugal, escreveu uma carta que encomendou aos cuidados da caseira, e dormiu ao lado da virtuosa esposa o sono do justo.

A caseira do fidalgo era a mulher dos esquecimentos; tinha memória de galinha pedrês, de quem diz o vulgo que não se lembra onde pôs o primeiro ovo. Quantas incumbências lhe davam, umas não fazia, outras amanhava de través. Nessa noite à vista das instantes recomendações do amo, teve ela uma feliz ideia: meteu a carta no cocó. Era o meio de não esquecê-la em casa no outro dia ao sair para as compras.

Assim aconteceu de fato. Às cinco horas da manhã, a velha, de samburá no braço, ganhou a rua, e com ela foi escondida no cabelo a carta da qual nem mais se lembrava. D. Aníbal viu-a sair, e deixando a porta guardada foi-lhe no encalço. A poucos passos fê-la parar:

— Alto, minha velha. O senhor governador teve denúncia de que trazíeis convosco certas bruxarias...

— Eu!... Bento Jesus!... Que falso testemunho!...