Emilia nunca soube fingir. Quando ia fingir, fingia demais — e estragava o fingimento. Mas Narizinho sossegou a velha.
— Não é nada, vóvó. Emilia é uma bobinha.
Nisto ouviu-se rumor lá fóra, seguido de batida na porta — uma batidinha muito delicada, tic, tic, tic...
— Quem será? exclamou dona Benta estranhando aquelle modo de bater. E gritou para a cozinha: Nastacia, venha ver quem bate.
A negra appareceu, de colher de pau na mão. Foi abrir, mas de accordo com o seu costume espiou primeiro pelo buraco da fechadura. Espiou e ficou assombrada.
— Que é, filha de Deus? perguntou dona Benta inquieta.
— Crédo! exclamou a preta. O mundo está perdido, sinhá!...
— Mas que é, rapariga? Desembuche...
— E' uma bicharia, sinhá, que não acaba mais! O terreiro está "assim" de peixe, de concha, de caranguejo, de quanto bichinho exquisito ha lá no mar. Até nem sei se estou acordada ou dormindo...
— Eu bem estava adivinhando que ia haver coisa hoje! disse dona Benta erguendo-se da mesa para espiar tambem. Arrumou os oculos e, afastando tia Nastacia, olhou pelo buraco da fechadura. E ficou ainda mais assombrada que a preta ao ver toda a população miuda do mar rodeando a casa.
— Que significa isto? perguntou, voltando-se para Narizinho.
— Não é nada, vovó! E' o principe Escamado com sua côrte que nos vem visitar. Elle quer muito conhecer a senhora.
Dona Benta olhou para tia Nastacia, de bocca aberta, sem saber o que dizer.