a boneca tinha uma "estranha personalidade", então tinha alguma coisa, não sendo simplesmente a boba, como lhe costumava chamar.
Nisto a fabula da cigarra e da formiga principiou de novo.
— Pshut! fez o fabulista. Silencio, agora. Vamos ver se é mesmo como eu escrevi.
Todos se calaram, immoveis em roda do formigueiro. A celebre cigarra tuberculosa, que tossia, tossia, tossia, vinha chegando, embrulhada no seu chalinho esfarrapado. Vinha de rastos, como quem está nas ultimas, morrendo de fome e frio.
Parando á porta do formigueiro, bateu — tóc, tóc, tóc.
— Como ella bate direitinho! murmurou Emilia. Bate tal qual uma gentinha.
A cigarra bateu e ficou esperando, toda encolhida.
Instantes depois appareceu uma formiga coróca, sem dentes, com ares de ter mais de mil annos. Era a porteira da casa e rabujenta como ella só. Abriu a porta e disse, na sua voz rouca dos seculos:
— Que é que a senhora deseja?
Vendo tanta cara feia, a pobre cigarra quasi desmaiou de medo, sendo tomada de outro accesso de tosse. Não podia falar.
Em vez de sentir piedade, a formiga fechou inda mais a carranca e disse:
— Errou de porta, minha cara. Isto aqui nunca foi hospital de cigarras. Se está doente, vá para casa do seu sogro.
— Perdão, disse a triste mendiga. E' que não tenho casa nem sogro e estou morrendo de fome e frio. Se a senhora não me dá uma folhinha para comer e um cantinho para me abrigar, certo que morrerei á mingua.
— E' o melhor que tem a fazer, respondeu a formiga. Que fazia você no bom tempo?