Página:As Reinações de Narizinho.pdf/282

Wikisource, a biblioteca livre
MONTEIRO LOBATO
271

havia de comprar com o dinheiro. De repente tropeçou, o pote veio ao chão e a misera viu irem-se agua abaixo, com o leite, todos os seus lindos sonhos.

A floresta formava alli uma clareira, de modo que puderam avistar ao longe a fumacinha, depois a chaminé, depois o telhado e por fim a casa inteira de Laura, a Menina do Leite.

— Lá vem ella! gritou Emilia.

De facto, Laura vinha vindo na direcção delles, com o pote de leite á cabeça, num vestido de pintinhas vermelhas, com um laço aqui e uma flor aqui.

— Bom dia, Laura! disse Narizinho ao se cruzar com ella. Onde vae tão requebrada e faceira?

— Ao mercado da villa proxima, vender este leite da minha vacca mocha. Vendo o leite e compro duas duzias de ovos. Pretendo chocar os ovos e tirar duas duzias de pintos. Cresço a pintalhada e obtenho doze gallos e doze gallinhas. Vendo os gallos e conservo as gallinhas para botarem ovos. A duzentos ovos cada uma por anno, terei, deixe ver... e começou a fazer a conta de cabeça.

— Não estrague a sua cabecinha, dona Laura, disse Emilia. Temos aqui o visconde que é um damnado para contas. Visconde, arreie a canastra e faça a conta desta menina.

O embolorado sabio obedeceu. Arriou a canastrinha, enxugou o suor da testa e fez a conta na areia, com um pauzinho.

— Dois mil e quatrocentos ovos, declarou elle por fim.

— E' isso mesmo, disse a Menina do Leite. Já fiz a conta de cabeça. Dois mil e quatrocentos ovos! Ponho tudo a chocar e consigo outras tantas aves. Vendo-as no mercado e compro dez porcos. Faço uma criação de porcos. Vendo os porcos e compro cincoenta vaccas.

A boneca, que conhecia a fabula, estava de olho no pote para vel-o cahir. Era naquelle ponto que o leite se derramava.