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MONTEIRO LOBATO
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— Isso não, vovó! protestou a menina. Eu tambem sou de carne e não tenho medo de nada.

— Você é outra inconsciente, minha filha. Tem a inconsciencia natural da idade. Quando crescer, ha de ficar medrosa como eu.

Estavam nessa conversa, quando Emilia gritou:

— Lá vem vindo Pedrinho com o barão de Munkausen!

Todos voltaram o rosto e viram o vulto dos dois, lá longe. Estava o barão vestido de caçador, grandes botas, chapéu de tres bicos, espingarda a tiracollo. Ao seu lado marchava Pedrinho, muito lampeiro de se ver em tão nobre companhia. Vinha contando historias das suas caçadas no sitio.

Naquelle momento o passaro Roca reappareceu no céu, a grande altura, descrevendo circulos. Voava tão alto que nem dez tiros emendados poderiam alcançar metade do caminho.

— Temos de esperar que elle baixe, disse o barão.

— Emquanto isso o senhor dá uma prosinha com vovó, que deve estar morre, não morre de medo.

— Medo de que?

— De tudo. Tem medo até de barata. Hoje foi a primeira vez que a trouxemos ao mundo das aventuras. Mas erramos de terra e viemos parar bem em baixo do passaro Roca. A coitada se sentou no dedo delle e agora nem pensar nisso póde. Fica logo de pontada no coração.

O senhor de Munkausen contou que construira alli aquelle castello justamente por causa do passaro Roca. Já havia caçado quanta féra existe. desde rhinoceronte até condor, menos passaro Roca. Porisso jurára matar aquelle. Queria ter entre os trophéos da sua sala de armas pelo menos a unha da gigantesca ave, já que bico, perna ou asa não cabiam no castello.

— Mas com essa espingarda o senhor não faz nada,