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CARTA DE GUIA DE CASADOS

tume, não pode desmentir, nem honrar o vício que há nêle ; porque aquela demasia é de seu natural injuriosa.

Os antigos quebravam o jejum com qualquer outra cousa que comessem fóra daquela hora, em que lhes era permitida a refeição. Veio o uso, e fez consoar, e pode tanto, que ficou por um uso. Aqui ajuntamos as consoadas do Natal ; e por ir mais longe, os miúdos de Castela, que tudo foram introduções, sem alguma concessão, ou direito ; porém já, calificadas pelo inalterável consentimento, se fizeram toleráveis, e perderam o nome de vício.

Eis em bem claro modo, os três modos do poder do costume. Mas deixemo-las com os seus guarda-infantes, que êles virão a ser maus (se agora ainda o não são) como elas acharem outro trajo de que cuidem as faz mais airosas. Deixemo-las com suas visitas, romarias, e jornadas ; que ainda que não era bom, já o uso lhe comunicou seu privilégio. Porém jogos excessivos, banquetes descompostos, vindas fóra de horas, amizades com porfia ; as compreendidas (se as há) dêem licença, porque eu me resolvo a dizer a v. m. e a todo o mundo, que estas tais são daquelas cousas que nenhum uso pode fazer decentes.

Conhecendo-se que é mau, procure-lhe o marido cedo o remédio, antes que se aposse da pessoa. Consiste na ociosidade, e apetite ; trate de dar o remédio à ociosidade, ocupando-a no honesto trabalho do govêrno de sua casa ; e ao apetite, encaminhando-lho a outro emprêgo de mais honra, e proveito ; qual seria, que tenha apetite de viver em paz, e confiança com seu marido, certificando-se-lhe que de outra maneira lhe será impossível.