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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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ostentações, rematava com dizer: ¿ Pois isto, senhor, de que sai ? E outro lhe respondia: Do que entra. Tornava o queixoso, e dizia: Senhor, não fizeram isso seus passados ; e outro respondia : Não, senhor, mas fazem-no nossos presentes.

Costumam as mulheres de alguns ministros, pela própria razão que se houveram de abster, e ajudar com grande tento a levar aquela carga a seus maridos, ocasionar-lhes seu precipício, carregando-os de novo com suas desordens, e vindo depois com êles a terra.

Deve o marido começar por si mesmo no cuidado que é bem que tenha de sua conservação. E pois é certo que ao próprio sangue, em que nossa vida consiste, lançamos das veias, se se corrompe, porque não apodreça o outro que nos fica, quanto mais se deve sangrar a ambição, ou interêsse, se na mulher fôr conhecido, que em breve tempo ameaça corrupção à saúde do corpo, e da família: morte da casa, do ofício, e da conveniência ?

Confesso que fôra lícito à senhora mandar sua encomenda, fazer ao marido esta, e aquela lembrança por um, ou por outro pretendente, e ainda favorecer a algum que o merecesse, dando-lhe uns longes de seu negócio, com que lhe pudesse dar remédio. Mas como estas cousas sejam de seu natural perigosas, poucas vezes acontece que nelas se obre sòmente o lícito. Contentára-me com que a pena do desconcêrto se ficára com o autor dêle ; mas não é assim ; antes, da inconsideração da mulber é o marido sempre (sem ser o fiador) o principal pagador.

Havia em Castela um ministro dos que vou dizendo ; era pouco limpo, ainda que mui asseado ; mercadejava a mulher, e ganhava sempre ; êle dizia, quando