Página:Cartas de amor ao cavaleiro de Chamilly.pdf/41

Wikisource, a biblioteca livre
CARTAS DE AMOR
15

ver sem um particular prazer que descubro e desfruto, amando-te entre mil dores e pezares…

Mas o que me mortifica sem cessar é o enôjo e aversão, que tenho para tudo…

A minha familia, os meus amigos, êste convento, são-me insuportáveis. Tudo que de obrigação devo ver, tudo que de necessidade devo fazer, me é odioso…

Tam zelosa sou da minha paixão, que, a meu parecer, tôdas as minhas acções, todos os meus deveres te dizem respeito…

Sim, faço algum escrúpulo se não emprégo por ti todos os momentos da minha vida…

Que faria, ai de mim! sem tamanho ódio e tamanho amor, quais enchem o meu coração! ¿Poderia eu sobreviver ao que me occupa continuadamente, para levar uma vida tranqüila e lânguida?…

Não, semelhante vácuo, e tal insensibilidade, não me convêm.

Todos reparam na mudança completa do meu génio, do meu modo, e de tôda a minha pessoa…

Minha mãe falou-me nisto ao princípio com desabrimento, depois com alguma bondade…

Não sei o que lhe respondi.

Parece-me que tudo lhe confessei…

As mais austeras religiosas compadecem-se do estado em que me vêem: mesmo é causa de mostrarem certa consideração e melindre para comigo.

Todos se comovem do meu insano amor… e tu só, tu permaneces em profunda indiferença… sem escrever-me senão cartas frias, cheias de cansadas repetições, que nem enchem a metade do papel, dando a conhecer grosseiramente que morrias da impaciência de findá-las…

3