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andava servindo á mesa; á sobremesa partiu-se o bolo e logo sairam de dentro um pombo e uma pomba que se foram banhar n’um vaso d’agua que estava no centro da mesa e depois de banhados collocaram-se ao lado de Branca-Flor e o pombo perguntou á pomba: — «Olha lá, não te lembras quando teu pae perdeu a coroa ao jogo e tu a ganhaste e depois vieram duas pombas e a roubaram? Respondeu a pomba: — «Não me lembra nada.» E assim o pombo foi recordando á pomba tudo quanto Branca-Flor tinha passado e mais o marido; e ao passo que a pomba dizia que se ia recordando, ia-se Branca-Flor recordando de tudo e no fim do jantar levantou-se da mesa e disse: — «Recordo-me de tudo e, se ainda vive meu marido que venha, pois só a elle quero.»

N’isto fugiram os pombos e o creado que andava a servir á mesa perguntou a Branca-Flor se o conhecia; ella então, dando-lhe um abraço, disse: — «Só tu serás meu esposo e a coroa de meu pae, que tambem já te pertenceu, será outra vez tua, pois tu serás o rei d’estes estados.»

Retirou-se o segundo noivo de Branca-Flor muito triste, mas louvando a resolução d’ella.

(Coimbra.)



XV
O CREADO DO ESTRUJEITANTE[1]

Era uma vez um rapaz que foi procurar amo. Che-

  1. Estrujeitante por estrejeitante (de es e trejeitar) é um nome popular no Minho dos magicos e principalmente dos que fazem transformações, visualidades; estrejeitar no sentido de fazer tours de passe-passe encontra-se já em D. Duarte, Leal Conselheiro, c. 37: «E a estrollogia, nygrumancia, geomancia, e outras semelhantes sciencias, artes, sprimentos e sotilezas, de modo de trejeitar per sotilleza das mãos ou natural maneira não costumada, etc.»