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25. A FEIA QUE FICA BONITA

Era uma vez uma velha, que tinha uma neta, que era feia como um bicho. A velha morava defronte do palacio do rei, e metteu-se-lhe em cabeça de vir a casar a neta com o rei. Lembrou-se de urna giria. Todas as vezes que o rei sahia a passeio, ao passar por diante da porta da velha, ella despejava para a rua uma bacia de agua de cheiro, e dizia:

— A agua em que a minha neta se lava cheira que recende.

Succedeu isto assim tantas vezes, que o rei reparou para o caso, e pediu á velha que lhe deixasse ver a neta, que se lavava em agua tão cheirosa. A velha escusou-se dizendo que não, porque a neta era muito vergonhosa, mas que tudo se arranjaria, porque assim que fosse noite iria com ella fazer uma visita, e por este engano a levaria ao palacio. Disse tambem ao rei que era a cara mais linda do mundo; o rei esperou que anoitecesse, até que ouviu o signal combinado, e veiu buscar a rapariga. A velha foi-se embora, pensando que o rei ficaria com a neta; quando o rei chegou ao seu quarto e accendeu a luz, deu com uma mulher feiissima e desengraçada; ficou zangado com o logro, e na sua raiva despiu-a toda e fechou-a n’uma varanda ao relento da noite. A pobre rapariga não podia perceber a sua desgraça, e com o frio e com o medo da escuridão estava bem perto de morrer.

Lá por essa meia noite passou um rancho de fadas, que andavam a distrahir um principe que tinha perdido o riso; o principe assim que viu a rapariga núa desatou logo ás gargalhadas. As fadas ficaram muito contentes, e quando viram que a causa fôra aquella rapariga núa, negra e feia, disseram-lhe:

— Nós te fadamos, para que sejas a cara mais linda do mundo.