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filhas. O principe disse se ella dava licença, que as queria vêr. E ella, que não, que não tinham roupinha capaz de apparecerem a sua alteza. Tanto teimou que ellas appareceram, e o principe logo a conheceu, e disse que ia ali por causa d’ella, para a levar para o palacio. A princeza disse que estava bem, e que para enganos só bastava uma vez. Elle disse que levaria tambem para o palacio as suas companheiras, que seriam tratadas como pessoas reaes. Foram-se embora e casaram, e ficaram vivendo todos como Deus com os anjos.

(Ilha de S. Miguel — Açores.)



44. O MATADOR DOS BICHOS

Houve em certo tempo um rei, que era sósinho mais a rainha, e não tinha filho nenhum para bem de herdar a corôa. Desejaram muito um filho, e nasceu-lhe uma menina. O rei tratou logo de ir vêr ao livro do signo qual seria a sorte da menina, e viu o seguinte:

— Que ao cabo de doze annos ella seria mettida n’uma torre sem porta, senão uma gateira por onde ella acceitasse o comer, e em roda de sete annos a carne que lhe déssem para comer não havia de levar osso nenhum.

Ao cabo de sete annos o rei seu pae foi convidado para ir a um jantar fóra, e deixou recommendado ás suas aias que quando mandassem o comer á princeza, que lhe não levassem carne com osso. Aconteceu por desgraça o contrario. Andava por ali um duque, vestido em trajo de mulher fallando com ella pela gateira. N’aquelle dia em que lhe foi o jantar com o osso ella tratou logo de fazer com elle um martello, e esborralhou um lado da gateira por onde podesse caber, e quando veiu o duque conversar, disse por estas palavras:

— Minha sorte está acabada antes do tempo por via do osso do jantar, e o meu intento é sahir já d’aqui.